Seremos Sempre Tempo

"Um fato marcou a minha vida para sempre:

eu nasci!...o resto foi uma mera sequência de

acontecimentos, que já é passado."

Ninguém nunca contará a nossa história por aí, também nunca sentirão os sabores de nossas lembranças, nunca passarão pelos caminhos que passamos para chegar aonde chegamos. Pois, a cada passo dado o anterior torna-se passado, o que resta é a efemeridade de significados esquecidos. Novamente, ninguém nunca contará nossa história por aí, e para o mundo seremos sempre tempo.

A casa e a vila onde morei na infância permanecem intactas, tudo é tão reconhecível e resgatador, mas agora, parte de minhas histórias se apagaram naquelas paredes. O chão onde eu brinquei e caí tantas e tantas vezes, este já foi varrido pelas pegadas de pessoas das quais eu nunca terei noção de quem foram, de quem hoje sejam, ou de quem um dia serão. Então novamente, seremos sempre, inevitavelmente, tempo. Havia uma parede, uma alta e não rebocada parede, nela eu guardava meus sonhos junto com as pequenas pedrinhas que eu encontrava na rua — mas que em minha cabeça eram magicas e por isso eu as escondia nos buracos da parede —, naquela enorme parede — que era o fundo de uma casa sobre a qual o dono eu nunca soube quem era — ficaram os sonhos e a doce imaginação de um eterno menino. Havia também uma escada, uma longa e cimentada escada, desta, eu apenas recordo de um momento: Era dia do soldado — como sei disso?, bem, eu estava com o rosto pintado de verde e amarelo, segurando uma espada de folhas de jornais feita por mim na escolinha — e eu estava sentado naquela escada num fim de tarde, o céu era meio semi-escuro e semi-claro, observava dali para dentro de uma casa: uma menina que eu costumava olhar diariamente, imaginando quem ela poderia ser, seu nome, sua aparência real, seus sonhos... E talvez, eu tenha cruzado com ela na rua hoje, mas hoje ela pouco pertence àquela lembrança.

Todas essas lembranças, todas essas pequenas lembranças, quem sabe eu ainda me recorde delas porque tudo que veio após foi sujo. Insatisfatório demais para ser lembrado por quem as viveu. Essas lembranças me dizem apenas quem foi este eterno menino, mas elas só existem nele, somente nele, intransferivelmente, nele. E nunca haverá alguém vivendo nossas lembranças, uma cena qualquer do cotidiano nunca fará tanto sentido para outros como ela poderá fazer para você, pois existem coisas que ficam impregnadas em nosso ser, e, que, morrem..., morrem a cada dia, se perde a cada nova memória guardada. Um banco na praça, uma rua, uma sala de aula, uma casa, uma data, um livro  qualquer,..., tudo isso pode significar tanto para alguém no mundo, mas para mim, pode ser apenas nada. Pois o significado das coisas  pertence aos homens e não às coisas em si, mas os homens passam, eles continuam, vivem, abandonam, ou simplesmente se esquecem.

O tempo consome todas as coisas em nossas vidas de tão absoluto e definitivo que é, tão impiedoso e insensível. Percebo hoje o sopro da vida nos dias que vivi, porém, já os esqueci. Foram incontáveis dias que passei e, mesmo sabendo que neles há uma parte de minha história, eu não os guardei. Então, novamente eu lhe digo: ninguém nunca contará a nossa história por aí, e para o mundo, seremos sempre tempo.

(...)                                             

A cada dia o mundo me apaga mais e mais 

Um Rapaz Meio Estranho
Enviado por Um Rapaz Meio Estranho em 12/10/2016
Reeditado em 30/11/2017
Código do texto: T5789868
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