Fome dentro dos olhos

Foi pela palavra, pelo pão; e também foi pelo pasto. Faltou, mesmo existindo, a palavra que morremos sedentos de querer ouvir, e existiu mesmo faltando, o pão que imploramos famintos que não nos deixasse morrer; andamos pelo pasto que nos foi dado como vida e campo de viver sem a opção de escolher. Foi pela fome de pão que a palavra engasgada de vergonha não conseguiu pedir, mesmo estampada nos olhos de quem sentiu fome; foi no pasto de quem anda vagando preso em si mesmo, sem palavra; sem pão, que a fome abateu. Foi pela palavra não dita que a fome aumentou, foi pelo pão não dado que a palavra não foi dita (obrigado), e foi pelo pasto que nos foi dado, que começamos ruminar nossos dias sem palavras e sem pão num pasto sem rumo. Por isso as lágrimas secaram e as feridas cicatrizaram; com isso os dias se passaram e os dedos calejaram, e o amargo no fundo da língua nunca se foi. A miséria digerida de cada um daqueles dias pulsou e sempre alimentou isso que nunca morre; esse podre que nunca se desfaz por completo, sem também nunca parar de apodrecer os corações que venha tocar ou até mesmo as almas que ceifar. As lágrimas que não escorrem nos semblantes que passam por nós, ainda estão presas ali naqueles olhos. Negar a mão a um irmão é negar o pão, fechar o coração e não fazer uso nenhum da razão; Sem perceber que não existe pasto para ninguém e que todos passam fome, seja de palavras ou de pão.

Douglas Mello
Enviado por Douglas Mello em 06/10/2016
Reeditado em 17/06/2024
Código do texto: T5783198
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