Os crimes do pieguismo

A grande coisa sobre o olhar não é sobre analisar ele, na frieza de algum gabinete ou de algum tipo de repartição pública. Daí, talvez, aquele ditado popular tenha surgido antes de ser tornar um clichê. “Os olhos são a janela da alma” existe algo do mundo vivo aí que pouco se apreende, uma vez que isso se tornou popular. Vivemos em um mundo escasso de alma, daí o grande crime de que essa frase tenha se tornado um ditado popular: ela jamais poderia ser atribuída a todos.

Quando digo alma aqui não quero dizer daquela alma religiosa, falo da alma helênica e dionisíaca. Certamente o tipo de alma que se perdeu em mirabolantes planos cartesianos, daquela que se perde nas aulas de matemática e também nas aulas de história: outro crime, termos conseguido que se perdesse até mesmo nas aulas de arte. Eu falo aqui da alma que não admite a domesticação, o pudor e, sobretudo, a moral. Quando eu penso nessa frase penso também no que a nossa ruminância cultura fez com Carpe diem e a imposição de sentimentos.

A alma helênica é aquela embriaga, entorpecida de sua razão. É aquela que sabe que existe mais de mundo no que sentimos do que naquilo que pensamos, é o que há de selvagem e bestial.

Certa vez, em um aniversário de um amigo, disse que não existe ética no prazer. Bom, é exatamente sobre isso. Jamais poderemos apreender o valor de “os olhos são a janela da alma” enquanto quisermos ser éticos em relação ao que sentimos, jamais poderemos efetivamente sentir o olhar ao invés de analisar. Alguns até fazem aquela alquimia psicológica de linguagem corporal, usam disso para seduzir. Que ponto a racionalização do sentir nos levou, não é? À beira de uma bestial linha de produção do afeto, uma indústria do desejo e um varejo do amor... Avisem-me quando chegar o dia que consigam comercializar Dionísio nas lojas americanas.

Eu sinto essa alma quando no olhar da pessoa existe um quê de vampiro, algo que poderia facilmente entrar na casa do dono sem a menor resistência daquele tipo de apaixonado e, ainda assim, quer permissão para tanto. Quando o olhar é sobre sentir a beleza em coisas inauditas aos críticos, aos moralistas e em geral na gente pobre de vontade, pobre de alma. Talvez um dia eu mude minha orientação em relação à pena para acrescentar somente esses dois delitos: a) tornar clichê o que há de mais divino e animalesco; b) terem imposto a felicidade como lei e, consequentemente, também a impostura da felicidade.

Deadeye Poem
Enviado por Deadeye Poem em 22/08/2016
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