O "eu" como velharia

Venho observado em mim e no mundo inteiro um sentimento constante de insatisfação, como se um ruído no fundo da alma nos tirasse a serenidade, e as situações simples do cotidiano que deveriam (ou não) serem vividas com vivacidade e tranquilidade, tornam-se - à medida que o acúmulo do sofrimento vai se tornando maior, - a vida mais dura do que já é, nos levando a ressentir cada vez mais nossos sentimentos e pensamentos. Os dias vão passando e se amontoando no motor giratório de lembranças sempre com aquele sentimento de “por fazer”, “por conquistar”, sempre uma falta que se mostra ausência de novidade e jovialidade, e com a mente atolada em tudo que se vivera ou viverá, vamos nos tornando “casca grossa”, pessoas sérias, sem um pingo de espontaneidade nos atos, nas falas, senão pela espontaneidade mecânica com que respondemos as pessoas.

Mesmo que na nossa vida esteja correndo tudo relativamente bem, sem grandes tensões de estresse e ansiedade, ainda sinto que há sempre uma inclinação ao desconforto, por menor que seja. Lembre-se daqueles dias onde tudo está bem e de repente - BOOM! Somos como bolões prestes a estourar, estamos sempre inclinados a perdemos a nossa serenidade para o mundo. Estamos mais para a guerra do que para a paz.

Pensamos a nós mesmos como efeito das experiências que vivenciamos, nos mumificamos em nossos próprios princípios, cristalizamos emoções, formas de pensar; com um olhar clínico vamos nos tornando mais sagazes, mais astutos, mais maliciosos, e isso não é ruim, se não endurecêssemos para a inocência também. A identidade que criamos é um “corpo” com órgãos de memória, fragmentos; gravamos na memória os afetos que mais intensamente nos afetaram, pesando na balança dos valores o que mais nos desagradou e agradou, com isso “construímos” para nós nosso próprio “eu” - assim pensamos, pois somos mais construídos do que construidores, influenciados a todo momento a ser isso e aquilo.

Ainda nos falta muita arte no espírito, estamos carente de instinto criador, não só criador de coisas mas do novo, do viver a novidade do eterno hoje, sem o peso de alguém que avalia a vida pelo que vive, mas que tem a vida o maior valor dos valores. Esse “eu” nos acompanha a todo momento como um ruído sem som que se torna consciente como sensação de nós mesmos nos hábitos do dia a dia, o que torna a vida tediosa, sem graça, fatalmente conhecida. Não há nada novo. A vida fica reduzida a ser somente o resultado da medida de valor que cada um fez de si...

E a isso chamam, como diz o povo, de “experiência de vida”.

Fiódor
Enviado por Fiódor em 04/08/2016
Reeditado em 04/08/2016
Código do texto: T5718404
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