Equinócio
Bom, você veio. Feito cachorro cheio de culpa por ter aprontado, ressabiado da bronca. Cabisbaixa, riso frouxo sem graça. O frio vai impedir você de andar de calcinha pela casa e de ficar fitando os seios no espelho manchado do meu banheiro. O frio lá de fora, o frio aqui de dentro, o frio de nós que nós andamos compactuando. A casa, física, minha. A casa, espiritual, você. Faço morada na energia que você emana. No cheiro de amaciante que sua roupa exala. Tergiversação. Rodeios. Você veio. Pelo motivo de sempre. Alugar essa carcaça. Cuspir na minha cara. Suas aventuras libidinosas frustradas. Cuspi-las na minha carapaça de indiferença moderninha. Meu entorpecimento inofensivo. A minha empatia do cínico que assente com a cabeça enquanto cospe na mão. Eu sei do que você precisa. De chicote. De açoite. De muito açoite. Da vida. Na cara. Pra aprender. Isto aqui não é um parquinho. Não se desperdiçam abraços. A amargura arrancada na ponta da unha não poderia ser restituída tão facilmente assim. Eu não falo nada. Nunca falei. Costurei a boca ao cu de tal modo que tudo que dela sair é merda. E eu sou prolixo em cagar: diarreia verborrágica ininterrupta inestancável. Eu sei do conforto que te propicio sendo um templo de concupiscência em carne, osso, músculos e apatia. Ausência de cobranças. Um cheque em branco assinado e atirado ao vento direto do vigésimo andar, flanando em busca de uma sorte ignota. É. É tudo malfadado: o destino, o amor, a vida, a sorte, o acaso, o ocaso, o ócio, a sorte, o surto. Certas pessoas. Aleijadas desde o nascimento. Calejadas desde o nascimento. A barafunda de coisas que sinto quando te vejo. O vórtice indissolúvel de dúvidas gira e gira e gira transladando diante do magnetismo estúpido do brilho opaco fingido de volúpia gélida que seus olhos emanam quando me vêem atrapalhado bêbado pelo cheiro de amaciante que sua roupa exala.
Março de 2016