A Morte de Ivan Ilicht

Outro dia eu estava numa aula digressiva de literatura. O professor tratava da importância que a literatura representa para a humanidade, se é que desempenha função neste mundo de carestia e safadezas. O diálogo entre nós, alunos, deu-se nesta direção: a literatura tem função, objetivo?

De minha parte, sempre teve. Desde eu menino, ante o encontro com uns livros de letras incendiárias, a literatura me serve como antídoto, vacina às dores do mundo. É um modo de compreendê-lo, senão em sua plenitude, minimamente; dialogar com épocas distintas; fazer viagens insanas; conhecer um pouco mais de nossas desgraças humanas e outros saberes necessários. Pois bem: a literatura, como aponta Todorov, tem como objetivo a própria condição humana. Daí sua importância à humanidade.

Há livros capazes de nos iluminar o espírito, de nos trazer a compreensão necessária a nossa fraqueza moral, carnal e nos impingir até certa dose de otimismo ante as dores do mundo. Com exceção a este último, A Morte de Ivan Ilicht, de Tolstói, é um destes livros sagrados, os quais temos à disposição graças à literatura, para melhor nos compreendermos como seres humanos.

A Morte de Ivan Ilicht é, a meu ver, de leitura obrigatória àqueles que buscam compreender minimamente nossa condição como indivíduos em geral hipócritas, vaidosos, maus. Como os livros de Graciliano, Camus, Hemingway, Dostoiévski, Voltaire, e outros poucos escritores, em minha opinião, deveria ser de leitura indispensável. Porque o que em plenitude estes escritos buscam não é apenas entreter o leitor com causos, estórias que aludem à Pasárgada, Eldorado, lugares encantados, mas sim mostrar nosso eu visceralmente.

Quem é Ivan Ilicht? O que busca? Qual a moral do Livro?

Ivan Ilicht é uma espécie de barata, funcionário público que busca a todo custo ascender na carreira. Tudo a seu redor é safadeza, quando não carestia: o casamento, os amigos, a vida na Magistratura. Tudo vai bem na vida deste bem sucedido homem até lhe recair, não se sabe de onde, talvez por culpa do acaso, uma doença misteriosa. É aí que o livro ganha densidade. Ivan finalmente descobre de que sociedade faz parte e sua impotência como humano em mudar a engrenagem social, da qual é apenas uma peça. E descartável.

Ivan não viu o tempo passar. Sonhando com aumento no ordenado, prestígio, glamuor, deixou-se levar pelas aparências do mundo construindo a seu redor e sucumbiu. É irônico saber que foi a doença que o acometeu quem justamente o salvou. A partir da descoberta de tal moléstia, passou a olhar ao redor, a ver com seus próprios olhos, a existir. Foi preciso chegar a tal estado de espírito para reconhecer-se perdido.

Falar que este livro trata de felicidade x hipocrisia, da Morte em sua essência, da carestia e safadeza que nos circundam, é ser simplório em demasia. Porque vai além desses temas urgentes, ontem e hoje, para o humano. No fundo, fica a impressão de que o realce recai sobre a vida de Ivan, e não sua morte. Isto é fabuloso. Vamos ao longo da leitura dialogando com Ivan, vendo sua ascensão e seu declínio, seu riso, sua dor, e no fim sua lucidez.

Tolstói, com A Morte de Ivan Ilicht, nos mostrar que a função maior da literatura, como assevera Todorov, continua ativa, firme e forte.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 17/07/2016
Reeditado em 17/07/2016
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