Paisagens da alma XXVII
O dia é frio, de sol ameno e ventos ligeiros. O céu é de um azul sem fundo, que vai clareando à medida que seus pés tocam o horizonte. No silêncio coexisto ao chamado mudo do céu sem fundo que paira sobre a humanidade. Olho-o e meus olhos se contraem diante da profundidade do espaço infinito que se esquece em sua própria imensidão. Lembro das estrelas que ali estão, sem no momento, estarem. E penso como a vida só se explica por terríveis paradoxos. Isso me arrepia.
Estagna-me os pensamentos porque o dia é calmo e monótono, as sensações se tornam sonolentas e um torpor nos sentidos faz-me sono na alma que sonha com os tempos que se foram. Desce por sobre mim aos poucos, como a sombra de uma grande nuvem que chega mansa, uma nostalgia singela que corta o espírito ao meio. Sem perceber vejo-me viajando por lembranças esquecidas, por tempos perdidos no limbo do inconsciente. Quando foi que isso começou? Em que momento comecei a pensar e sentir estas coisas? Simplesmente está aí acontecendo, como o dia que vai se escrevendo nas páginas da existência.
Chegamos à vida sem sair de lugar algum e apenas seguimos o fluxo. Não há um começo. Tudo que nos chega a consciência é apenas o fim de uma cadeia infinita de explosões de forças em relação. Seguimos para lugar nenhum. Todos que pensaram estarem alcansando algo para além da vida alcansaram no máximo os pedaços de seus delírios, a desilusão de seus medos e desejos. Pois, para onde poderíamos ir se nunca nem saímos do lugar? Nascemos unificados, mas depois nos dividimos entre "eu e você" e por isso pensamos que partimos de uma determina linha e estacionaremos num determinado ponto. Mas não viemos de lugar nenhum e não iremos para lugar nenhum. Nascimento e morte é o princípio da separatividade. Se a morte, para a vida em si, não existe, então não existe o nascimento. O erro parece estar na nossa forma de pensar a vida, no conceito que criamos de nós mesmos incluídos no tempo-espaço. Eu diria incluídos na eternidade do presente, dividida psicologicamente pelas linhas temporais passado e futuro. A vida nos concebe de suas entranhas, não de algo contrário a ela. Tudo o que vemos é que as formas, os eus, desaparecem. Mas e a vida desaparece? Se a vida que existe não se perdeu no passado então a vontade que deseja para trás está presa numa ilusão que a impede de ver sua própria eternidade. A dificuldade aqui é admitir que tudo simplesmente acontece milagrosamente. Não existem milagres, a vida é o próprio milagre.
Vou andando a passos lentos pelas estradas incertas da vida com essas divagações sonolentas, não por medo de esbarrar em alguma coisa ou cair, mas para apreciar o caminho melhor. O dia vai se esquecendo na eternidade, o sol brilhando sem saber que brilha, a vida vivendo sem saber que vive. Eu pensando e sentindo sem saber como faço tudo isso acontecer.
Encerra-se então por si mesmo, assim como começaram espontaneamente, os pensamentos cheios de dúvidas, e na ausência de conteúdo resta apenas um espaço onde gira as coisas exteriores e interiores, a vida, o sol, a paisagem que vejo e eu. A vida vai passando e nada fiz de mim. E o que poderia fazer se já sou o que sou? Passam ao longe algumas nuvens levadas pelo vento, passam dentro de mim como num sonho de eu as estar vendo. Passa para onde? Para lugar nenhum...