O idioma do ser (Verônica em Filosofia)
Somos literatura! Cada alma que tramita sobre o solo deste planeta redige seu próprio texto (dramático) e procura interpretá-lo através da melhor performance que seus recursos intelectuais permitirem: intensa expectativa de ser percebido pelo outro! Ocorre que o outro também desenvolveu seu idioma pessoal e também se empenha em produzir o seu espetáculo teatral. E neste entrecruzar de exposições, em falas compreendidas apenas por seus autores e atores, fica-nos a sensação de que não nos ouvem. Resta-nos degustar a solidão. Por isso, para fugirmos de vislumbrar que nosso discurso é, na verdade, um monólogo, projetamos nossos desejos mais íntimos sobre o mundo; criamos metáforas que nos iludem.
Um exemplo simples: se me oferecem uma maçã e aceito, mediante o comentário de que gosto muito desta fruta, e tenho do meu interlocutor a mesma confirmação sobre o quanto a aprecia, apegamo-nos à falsa noção de que compartilhamos a mesma satisfação ao ingerir tal alimento. Porém, imaginemos que na minha infância havia uma macieira plantada no quintal aos fundos de casa. Todos os anos, minha mãe colhia os frutos e cozinhava uma geleia que considerava deliciosa. Ao comer fisicamente a maçã, eu incorporo meus primeiros anos, o zelo maternal, o afeto. Pensemos, então, no outro: vamos supor que, por alguma motivação de sua história de vida, associe a cor vermelha da casca à sexualidade. Sua relação com o signo investe na sensualidade, nos aspectos sensoriais. Portanto, não nos alimentamos, nem desejamos a mesma maçã! O significado de maçã, para mim, organiza-se em uma espiral conceitual que se entrelaça a outras espirais (na hipótese, de mãe, das lembranças de minha meninice etc.), constituindo uma teia de sentidos que será identificada somente por minhas instâncias psíquicas. Na ótica do outro, as espirais irão se alinhavar em tessitura diversa, interferindo em sua interpretação e na forma como absorve o mundo. Por muito que acreditemos no contrário (e precisamos desta crença), não nos comunicamos: a minha maçã não é a maçã do outro!
Abandonemos as maçãs e vamos aos sentimentos. Se apenas um mero “eu gosto de maçã” não transmite as reais percepções dos falantes, o que diríamos ao trocarmos declarações sensíveis: “eu amo você”? Reflitamos: qual o significado de amor para quem afirma, e o que implica a quem ouve? Vivemos mergulhados em um cenário pessoal, esforçando-nos a crer no discurso do outro como sendo o nosso. Contudo, a consciência de que enxergamos o que projetamos e não a realidade faria com que víssemos o quarto escuro de nossa individualidade, por certo dor suficiente para desistirmos de existir. Viver se torna, assim, um exercício constante de descoberta de uma estratégia de comunicação. Não precisamos de que o outro nos escute. Precisamos, sim, de que consigamos ser percebidos em nossa complexidade.
Não gratuitamente, produzimos arte! E talvez as expressões artísticas em todas as suas manifestações configurem a grande oportunidade de nos dizer verdadeiramente! Até porque o produto artístico se ergue na interpretação plural. Enquanto o criador coloca de si, cada um que mantenha contato será instigado a pôr de si. Um livro, uma escultura ou um filme são objetos concretos, inertes e desprovidos de sentidos. O significado se aloja em quem os desenvolve e nos que os venham a conhecer.
Tenho lido muitos textos confessionais aqui no Recanto. Impressiona-me (e comove) a necessidade de cada escritor em ser compreendido em suas angústias, em suas alegrias, em suas tristezas. Necessidade que também possuo! O canal se converte em alerta: olhem, estou aqui e sou capaz de sentir! Freud escreveu sobre a força de uma pessoa ao sentir-se amada! Todavia, o “sentir-se amado” não se confunde com o ato frasal de pronunciar o “eu amo você”; os vocábulos, uma vez que são signos do dicionário individual, espirais conceituais inalcançáveis mesmo por quem as verbaliza, não são capazes de produzir a certeza do amor. Esta verdade imponderável do ser somente emerge quando se alcança um grau mais profundo de percepção, entendimento que extrapola a camada superficial da redação e atinge instâncias ausentes de significantes, em que um olhar substitui todos os parágrafos do sujeito. Uma comunhão, talvez!
Deixo a proposta, ou melhor, o pedido: não me elogiem as frases que deixo, mas interpretem o espírito que as redige!
Um exemplo simples: se me oferecem uma maçã e aceito, mediante o comentário de que gosto muito desta fruta, e tenho do meu interlocutor a mesma confirmação sobre o quanto a aprecia, apegamo-nos à falsa noção de que compartilhamos a mesma satisfação ao ingerir tal alimento. Porém, imaginemos que na minha infância havia uma macieira plantada no quintal aos fundos de casa. Todos os anos, minha mãe colhia os frutos e cozinhava uma geleia que considerava deliciosa. Ao comer fisicamente a maçã, eu incorporo meus primeiros anos, o zelo maternal, o afeto. Pensemos, então, no outro: vamos supor que, por alguma motivação de sua história de vida, associe a cor vermelha da casca à sexualidade. Sua relação com o signo investe na sensualidade, nos aspectos sensoriais. Portanto, não nos alimentamos, nem desejamos a mesma maçã! O significado de maçã, para mim, organiza-se em uma espiral conceitual que se entrelaça a outras espirais (na hipótese, de mãe, das lembranças de minha meninice etc.), constituindo uma teia de sentidos que será identificada somente por minhas instâncias psíquicas. Na ótica do outro, as espirais irão se alinhavar em tessitura diversa, interferindo em sua interpretação e na forma como absorve o mundo. Por muito que acreditemos no contrário (e precisamos desta crença), não nos comunicamos: a minha maçã não é a maçã do outro!
Abandonemos as maçãs e vamos aos sentimentos. Se apenas um mero “eu gosto de maçã” não transmite as reais percepções dos falantes, o que diríamos ao trocarmos declarações sensíveis: “eu amo você”? Reflitamos: qual o significado de amor para quem afirma, e o que implica a quem ouve? Vivemos mergulhados em um cenário pessoal, esforçando-nos a crer no discurso do outro como sendo o nosso. Contudo, a consciência de que enxergamos o que projetamos e não a realidade faria com que víssemos o quarto escuro de nossa individualidade, por certo dor suficiente para desistirmos de existir. Viver se torna, assim, um exercício constante de descoberta de uma estratégia de comunicação. Não precisamos de que o outro nos escute. Precisamos, sim, de que consigamos ser percebidos em nossa complexidade.
Não gratuitamente, produzimos arte! E talvez as expressões artísticas em todas as suas manifestações configurem a grande oportunidade de nos dizer verdadeiramente! Até porque o produto artístico se ergue na interpretação plural. Enquanto o criador coloca de si, cada um que mantenha contato será instigado a pôr de si. Um livro, uma escultura ou um filme são objetos concretos, inertes e desprovidos de sentidos. O significado se aloja em quem os desenvolve e nos que os venham a conhecer.
Tenho lido muitos textos confessionais aqui no Recanto. Impressiona-me (e comove) a necessidade de cada escritor em ser compreendido em suas angústias, em suas alegrias, em suas tristezas. Necessidade que também possuo! O canal se converte em alerta: olhem, estou aqui e sou capaz de sentir! Freud escreveu sobre a força de uma pessoa ao sentir-se amada! Todavia, o “sentir-se amado” não se confunde com o ato frasal de pronunciar o “eu amo você”; os vocábulos, uma vez que são signos do dicionário individual, espirais conceituais inalcançáveis mesmo por quem as verbaliza, não são capazes de produzir a certeza do amor. Esta verdade imponderável do ser somente emerge quando se alcança um grau mais profundo de percepção, entendimento que extrapola a camada superficial da redação e atinge instâncias ausentes de significantes, em que um olhar substitui todos os parágrafos do sujeito. Uma comunhão, talvez!
Deixo a proposta, ou melhor, o pedido: não me elogiem as frases que deixo, mas interpretem o espírito que as redige!