Passatempo
Passa o tempo e notamos a pressa.
A pressa em viver, a pressa em conquistar, a pressa em amar, a pressa em ser "grande", a pressa dos sonhos, a pressa em atingir um certo ponto da vida.
"Quando isso ocorrer, eu serei feliz." nos enganamos.
Passa o tempo e sentimos a dor.
A dor do parto, a dor do primeiro tapa, do primeiro tombo, a dor do primeiro "não", da primeira nota baixa, a dor de magoar alguém que ama, de ser magoado por alguém que ama, a dor do bullying, da falta de amor, da falta de paz, das maldades e violências, da falta de igualdade, do machismo e do preconceito, a dor da traição, a dor dos sentimentos não-correspondidos, a dor de às vezes se sentir deslocado(a), no mundo errado.
"Em algum momento vou ser completamente feliz." nos iludimos.
Passa o tempo e ganhamos amigos.
Ganhamos o primeiro amiguinho, a sensação é boa, de não estar só. Ganhamos amigos que vão durar um dia e amigos que vão durar anos, amigos que vão ao nosso casamento (pra quem é de casar) e uma amizade que SERÁ o nosso casamento(pra quem é de casar). Amigos que são dignos de serem chamados de tal. Amigos que vem e que vão, amigos que passam na nossa vida só pra nos fazer bem naquele período de tempo, amigos que a vida separa e às vezes culpar a vida é a única razão plausível, amizades que pensamos ser eternas mas que se vão e pessoas inesperadas que acabam permanecendo. "Tenho certeza de que seremos amigos para sempre." nos prometemos.
O tempo passa e amamos pessoas.
Nascemos e conhecemos o amor de mãe, que em essência é uma das mais fiéis e originais formas de amar. Às vezes ganhamos um parceiro ou parceira, aquele serzinho com quem aprendemos a dividir, brigas ocorrem mas você sabe que aquele mesmo serzinho vai sempre estar ali por você, o confuso amor de irmãos. Às vezes esse amor vem de dentro da família, às vezes a cegonha o/a manda pra uma família diferente seja por engano ou porque seria impossível pra quaisquer pais lhes aguentar em uma mesma casa por muito tempo. Conhecemos nosso primeiro amor, não entendemos como funciona mas funciona, e seja bom ou ruim, nós raramente esquecemos. Conhecemos o amor platônico, o estômago fica estranho, imaginamos cenas de filmes aleatórios, todas as músicas nos lembra nosso alvo, o tipo de amor que seja por qualquer razão, ocorre só na nossa mente. Conhecemos o amor não-correspondido, um simples "não", sexualidades diferentes, "grande demais", "pequeno(a) demais", "Somos só amigos", "Não estou preparado(a) pra um relacionamento", cidades, estados, países, continentes ou planetas diferentes. Conhecemos o amor recíproco, amor não guarda data de validade. Por mais que amemos, nunca sabemos o quanto vai durar. "Vamos casar, vamos ter filhos, vamos nos mudar pra Minas, Miami, Páris, Hawaii, CANADÁ!" nos entregamos.
O tempo passa e vivemos.
Cada pequena experiência, cada risada, cada abraço, cada beijo, cada filme, cada jogo, saída, trabalho, hobbies, problemas, exageros, dramas, viagens, escolhas, riscos e medos. E cada uma delas entra pro nosso coração. Se nos permitirmos, vivemos. "E se?" nos limitamos.
O tempo passa e notamos a mudança.
Umas vem de leve, mexendo em tudo delicadamente, aos poucos, e demoramos a perceber mas outras são bruscas e nos pegam de surpresa, vezes nos alegra vezes nos decepciona. E todas são dignas de serem chamadas de tal, mudanças. Antes ser diferente era motivo para ser isolado do resto, hoje todos buscamos por um pouco de individualidade, identidade. Pintamos e cortamos o cabelo, mudamos o físico, o mental, o emocional, nossos prazeres e gostos em busca dessa tal individualidade. Começamos a perceber que de todas as mudanças, a maior de todas elas, somos nós. Porque assim como o mundo às vezes parece não mudar, às vezes em nós mesmos não sentimos a mudança. O mundo muda muito e ao mesmo tempo não muda nada. E da mesma forma, mudamos.
Não deixemos que como um passatempo o tempo passe, só passe.
Passa o tempo, pois nascemos.
Passa o tempo e vivemos.
Passa o tempo e passamos.
Passado. Passei. Passamos.