Planejando ilusões

O desfecho de um ano sempre carrega consigo os feitos que o marcam. E a partir de tais feitos, de tais realizações, a trama que está por vir para o novo ano que se aproxima tem suas linhas traçadas mentalmente. No entanto, haveria alguma necessidade humana mais profunda que permeie essa autoanálise e reflexões exteriores realizadas?

Bem como a expectativa que marca toda essa projeção do que ocorrerá, está a reflexão nostálgica do que se passou, do que se viveu, do que se aprendeu. É neste momento cronológico de suas vidas que todo o tempo vivido aparece como uma retrospectiva carregada de muitas histórias. E eu o questiono, sim, você que está lendo neste momento: teria em sua vida alguma ligação direta do que se passou com o que se espera passar? Ou tudo parece simplesmente desconexo e arbitrário?

As mudanças relevam-se muitas vezes revolucionárias, tanto do que se manifesta externamente quanto do que habita internamente, e muito do que achavam conhecer de si mesmos faz os indivíduos surpreenderem-se com algumas quebras de expectativas, diante das experiências adquiridas, dos sucessos conquistados, dos abraços dados, de amores carregados, seja em sorrisos, em lágrimas ou em memórias eternizadas, talvez até marcadas pelas saudades. E o roteiro daquilo que foi mentalizado, talvez numa situação análoga a esta, ou seja, no fim do ano passado, provavelmente não siga o padrão definido ou está definido demais para o que nem se imaginava estar.

Nessa página da vida que se realiza, o maior protagonista percebe que o elenco também se alterou: pessoas que tinham papéis fundamentais talvez se tornem meros figurantes em significância, e surpreendentemente o inverso também acontece. Com os destinos e caminhos tomados, novos horizontes são alcançados e tudo que os contempla interage com seu condutor.

Mas por que isso tudo acontece, caro leitor? Há uma finalidade em cada reflexão realizada? Há alguma real necessidade humana nas análises feitas? Acredita-se que sim, e eu conto qual. A necessidade, talvez não tão subconsciente, de controle, ou de ilusão de controle.

A ilusão é o tipo de projeção que cria uma sensação satisfatória de conforto, mesmo que seu dono a reconheça e tenha plena consciência de sua condição. A ilusão propicia dores muito difíceis de serem superadas tornarem-se amenizadas, dando lugar à esperança de melhoria, de superação e de felicidade, um dos maiores desejos humanos. Há maneiras mais claras disso ser visualizado: Se um pai perde uma filha que muito amara, assassinada, a dor é constante, é presente, é gritante. E ele não consegue se livrar dela. No entanto, assim que é sentida, qual o primeiro desejo do pai? A justiça. Por quê? O desejo de justiça distrai a dor da perda, e vai procurar nesse recurso, por mais legítimo ou não que seja, um refúgio para si. E mesmo que, suponhamos, o assassino seja encontrado, e a tão ansiada justiça o puna, com qualquer pena que seja, a prisão – perpétua ou não – e talvez até a condenação àquilo que causou, a morte, o pai sentirá que conseguiu, sim, fazer cumprir a lei, fazer valer a vingança, fazer realizado qualquer que seja o princípio em que acredite, no entanto, não fará a dor passar, e essa dor, agora não mais distraída pelo desejo de justiça, que parecia bastar caso fosse concretizado, talvez até volte mais forte, porque era uma ilusão a sensação de que seria, mesmo que minimamente, suficiente.

E não se culpe por isso! A ilusão é colocada dentro de cada pessoa desde seu nascimento até o momento de sua morte, e é tão necessária psicologicamente quanto aquilo que necessitamos fisiologicamente. A vida é uma constância de incertezas, e é por isso que é necessário ter esperança, até mesmo para fazer delas certezas, ao se olhar o passado, e ao se tentar planejar o futuro. Um poeta espanhol, León Felipe, bem revela:

“ Digo somente o que eu tenho visto.

E tenho visto: Que o berço do homem é balançado com contos...

Que os gritos de angustia do homem são afogados com contos...

Que o pranto do homem é sufocado com contos...

Que os ossos do homem são enterrados com contos...

E que o medo do homem tem inventado todos os contos...

Eu sei muito poucas coisas, é verdade...

Mas fizeram-me dormir com todos os contos...

E sei todos os contos! ”

“Contos” é a metáfora para tudo aquilo a que nos prendemos a fim de dar à existência e suas relações um propósito, mais amena de tanta incerteza. Seja por meio de contos de fadas, de personagens que personificam o espírito de datas comemorativas como o Papai Noel no Natal, até sobre o que nos espera quando já não pudermos esperar mais nada, após a morte.

E não veja, caro leitor, a ilusão humana como um sinal de fraqueza para enfrentar a realidade como ocorre com Sêmele, amante de Zeus, humana, que ao vê-lo em sua luz sucumbe. Veja como uma capacidade única não de fugir, mas de enfrentar de modo habilidoso e estratégico aquilo que tira o sossego, mas não a esperança. Por que isso sim é um dos maiores dos nossos atributos que permitem feitos grandiosos os quais já fomos capazes, como espécie, de realizar.

Ainda assim, qual a razão de tudo isso? Em que todo esse sentimento se consiste? Rumo a que guia a esperança? Assim como na leitura de um livro é esperado um clímax para cada acontecimento especial, um dos clímaces que permanece na leitura da vida é entender a mensagem intrínseca a cada momento, e usá-la de modo que ao final de cada aprendizado um dos maiores críticos, você mesmo, satisfaça-se com o desfecho e pense: foi uma história incrível. E é rumo a isso que a esperança, mais evidente nessa época do ano, guia todos os pensamentos, e todos os corações. Estaria o querido leitor captando e entendendo as mensagens que recebe?

Texto escrito em 19/12/2015

Katlyn Dias
Enviado por Katlyn Dias em 26/06/2016
Código do texto: T5679098
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