Exangue

Parei. Uma aranha amarela microscópica flutuando sobre a superfície vermelha me fez parar, uma aranha amarela microscópica com três pares de pernas de movimentos imperceptíveis me fez parar e sentir meu par de pés atados ao chão sob o jugo da gravidade e do peso de ser sem-ser não-sendo sendo; sujeição à existência nonsense, juntando a poeira dos dias sob as rugas sob as rusgas no piscar de olhos que ardem na agonia de verem a estupidez do concreto inabalável do firmamento opressor, celeste, hostil, beligerante e ignoto. O dia maldito não acaba, ouço alguém dizer e concordo mas concordo discordando porque se este acaba outro começa e nada de bom e novo tem previsão de acontecer de novo. É assim então que sucumbo àquela mediocridade que sempre repudiei e ri, assim como riem as almas rasas que vêem esta roupa maltrapilha de bolsos furados e assaltos ao detergente: eu sou merecedor dessa mortalha diária. Meu esqueleto tem sido a minha primeira cova. Peno a duras penas. É massacrante o massacre com o qual eu diminuo meus sentires minhas dores meus amores para apenas levar adiante uma efígie exangue daquilo que um dia eu fui.

Eu só queria te abraçar com a força do mundo.

Afundar o nariz no seu ombro.

Afagar sua nuca.

Ouvir sua voz.

Te amar.

Você.

31/05/2016 | Interpol - Untitled

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 31/05/2016
Reeditado em 31/05/2016
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