Sociedade e personalidade
Sociedade e personalidade
Em linguagem comum, personalidade refere-se a um conjunto de características marcantes de uma pessoa, esta refletindo em seus pensamentos, atitudes e ações. A determinação da personalidade ainda é motivo de veemente debate, com proponentes do inatismo e do comportamento adquirido. Deixemos essa dicotomia de lado e partamos do pressuposto que a personalidade é uma mistura de ambas as características, além de inúmeros outros fatores que podem contribuir para a formação/ alteração do comportamento de um indivíduo. A frase clichê de que “o que os outros pensam não é problema seu” parece bonita na teoria, mas sendo o ser humano um ser social desde os primórdios, o tratamento que se recebe pode, sim, afetar a personalidade de uma pessoa, tratamento que pode ser origem de inseguranças, medos, fobias e até mesmo soberba. Existe uma lacuna abismal entre o que se é, o que se acredita ser e a maneira como somos percebidos pelos olhos alheios, gerando uma abissal falta de interpretação. Vamos melhor ilustrar o que foi dito:
Timidez e introspecção são coisas significativamente distintas, mas que são presas por um cerne em comum. A timidez pode ser caracterizada por um desconforto e relativa inibição social, a qual não, “per si”, não representa um transtorno mental. Algumas pessoas tímidas muitos vezes têm o desejo de interagir com o mundo ao seu redor, mas sentem certo bloqueio devido ao medo ou vergonha de se expor. Indivíduos tímidos tendem também a ser excessivamente autocríticos e inseguros, e, com frequência se perguntam coisas do tipo: “será que eu fiz algo inapropriado?”, “o que estão pensando ao meu respeito?”, “minha personalidade agrada aos outros?... A introspecção, por sua vez, caracteriza-se por uma atitude do indivíduo que dirige sua energia psíquica para o interior, e parece fechado, prudentemente crítico e contido. Um indivíduo introvertido não é necessariamente tímido, pois não se sente inibido e acanhado diante de estranhos, por mais taciturno e pouco receptivo que este possa parecer. Apesar da diferença entre essas características, à primeira vista, todo indivíduo que é “na dele” é visto como tímido. Feita essa distinção, chegamos no ponto de interesse dessa discorrência: na sociedade ocidental, segundo estudos, os atributos mais valorizados são a extroversão, as habilidades relacionadas à liderança, as conquistas profissionais e acadêmicas e o comportamento desinibido. Um indivíduo introspectivo, embora tenha capacidades de liderança e interação social, é comumente tratado como tímido – não que a timidez seja um defeito, mas em certas culturas, em que o respeito é ganhado através de grande esforço, não “se impor” pode deixar o indivíduo vulnerável em certos aspectos. O “x” da questão é que o tratamento que recebemos pode ter impacto na nossa personalidade. Indivíduos introspectivos quando crianças podem se tornam tímidos quando adultos, provavelmente devido ao tratamento negativamente diferenciado que recebem desde a infância. Não raro, essa timidez pode evoluir para algum transtorno de personalidade, o qual pode exigir tratamento e ter significativo impacto em relações socais - as normas socioculturais influenciam a personalidade de uma pessoa mais do que imaginamos, a exemplo do transtorno de personalidade histriônica, que é mais comum em países que valorizam a desinibição e traços de personalidade efusivos como no ocidente e menos comuns em países asiáticos, que valorizam o comportamento reservado.
Além da grande diferença supracitada do que se é e de como somos vistos, a interação social ainda é obstacularizada por paradigmas sociais. Inúmeros fatores fazem com que se ataque o argumentador e não o argumento. Com isso, não me refiro a impropérios e invectivas, mas a uma degradação silente e invisibilidade. Essa invisibilidade social age como uma insidiosa enfermidade, minando a autoestima da pessoa e causando intensas mudanças em sua personalidade, caso ela não esteja devidamente preparado para lidar com isso. Os exemplos são vários: devido à cultura de respeito e sabedoria vinculada com o avançar da idade, um mancebo, por mais sábio que seja, terá de se esforçar a fim de ser ouvido num colóquio com pessoas mais velhas. É também visível a inibição dos mais novos de se manifestarem ante um discussão entre mais velhos; um indivíduo autodidata terá de provar seu valor para discutir no meio de acadêmicos; o mesmo argumento aplaudido calorosamente, quando preferido por uma mulher, pode perder seu valor, simplesmente porque temos a herança cultural de que mulheres cuidam da casa e dos afazeres domésticos, ao passo que o homem é o criador de leis, o formador de opiniões.
Ao dizer isso, não insinuo a falta de capacidade da mulher, dos mais novos ou dos que não possuem formação acadêmica de arguir convincente e eficazmente a respeito de qualquer assunto, mas a um possível resultado negativo que certas indiferentes e desdenhosas convenções sociais podem ter em sua personalidade. Poder-se-ia traçar um paralelo entre o comportamento tímido e o comportamento induzidamente submisso de algumas pessoas do sexo feminino, já que a sociedade exerce forte pressão sobre eles, ditando regras a serem seguidas e nos fazendo pressupor uma infinidade de coisas durante uma conversação, erroneamente baseadas em gênero, traços de personalidade pouco apreciados na cultura vigente, etc... Permanecer inabalável e se desvencilhar das expectativas alheia é imperativo para um amadurecimento salutar.
A fim de finalizar, é de grande valia recomendar o famigerado livro de Spencer Johnson, “quem mexeu no meu queijo”, que fala sobre adaptação e é profícuo e aplicável no nosso cotidiano. Em meio a tantas variáveis absolutamente enviesadas que determinam o que é digno de atenção e o que não é, cabe ao indivíduo adaptar-se e contribuir ativamente para quebrar paradigmas, não se intimidando perante às normas.
“TUDO O QUE TEMOS A FAZER É PRESERVAR NOSSA PERSONALIDADE, VIVER NOSSA PRÓPRIA VIDA, SER O CAPITÃO DO NOSSO NAVIO E TUDO ESTARÁ BEM...”
Edward Bach