A alma grita
A rotina é clássica e tem sido a mesma dia após dia, deitar na cama, refletir sobre o dia, lembrar do morador de rua que você tanto observou ao passar, pensar nas escolhas que fez e se poderiam ter sido diferentes, pensar na família que está longe e na vida que andam levando sem você, deixar fluir as dores do mundo, os problemas sociais, os insucessos contemplados e mentalizar uma prece a fim de que tudo se ajeite, por saber que muito disso foge a sua alçada e mais ainda, por saber que Deus têm domínio sobre tudo. O sentir exerce uma força extraordinária sobre mim, essa sensibilidade aguçada que me leva sempre aos caminhos do autoconhecimento e da empatia, essa coisa de querer mudar o mundo, essa mania de andar na contra mão, de evitar o óbvio e de ver tudo como quase nunca ninguém vê. Essa responsabilidade jogada sobre os ombros e essa exigência exacerbada sobre mim mesma é o que vai me mantendo firme em seguir os princípios que prezo, mas por hora isso vai causando um cansaço, sinto que projetaram em mim um ideal inexistente e tenho sentido uma necessidade gritante de sair da linha, e até tenho tentado, mas sempre a consciência me remete a tal da responsabilidade, uma mania idiota de não poder errar, errar feio, retifico, porque isso só cabe a mim, porque esse inquilino que mora aqui dentro não me permite fugir da linha, fica sempre buzinando no meu ouvido o que está certo ou errado e no fim eu sempre acabo concordando com ele. Tenho sentido também (sinto muito, não estou me desculpando, é sentir de sentir mesmo!) uma ausência iminente de pessoas para conversar, geralmente as pessoas só falam, há muitas décadas o Caio já vivenciava isso, tanto que escreveu para que eu pudesse comungar da mesma opinião, eu não tenho os mesmos interesses que o resto do mundo e conviver com isso tem se tornado cada vez mais difícil, não que eu queira ter, eu só queria que as pessoas não estivessem tão perdidas como andam, eu só queria que os valores não fossem tão invertidos, mas os meus quereres por ora são só meus, me adapto, mas não me permito mudar. Nos dias em que os sentimentos são insuportáveis, recorro ao velho e bom amigo, Anne já dizia: o papel tem mais paciência que as pessoas. E assim vou seguindo, mergulhando nos livros, neles encontro pessoas mais sensatas, me compreendem, não me julgam e nem me interpelam e o mais incrível: acrescentam-me. Escrever também têm sido uma via de escape, me reconheço no que escrevo e me livro do sufocamento que as palavras me causam, é algo que funciona como terapia, a alma grita e o papel compreende.