Sobre tocar a vida

Me lembro de quando eu comecei aprender a tocar flauta doce. Me surgiu o desejo de tocar algum instrumento e a flauta doce foi a escolhida. Gostava do som melancólico, belo, suave, frágil. Comprei então minha flauta. Que decepção. Quando eu tentava tocá-la o som saia totalmente distorcido, desafinado, estridente. Eu não conseguia tapar os buraquinhos direito, ou trocar as posições do dedo para criar as notas. Nem meu sopro, nem meus dedos conseguiam fazer aquele negocio fazer sentido. Cheguei até a pensar que a minha flauta estava quebrada. Devia ser uma flauta diferente da de todo mundo. Como alguém conseguia fazer sair uma melodia daquilo? Mas resolvi persistir, tentar aprender com quem já tocava. Até que pouco a pouco um sopro já conseguia fazer uma nota bacana, depois outra, e outra. Depois fui conseguindo juntar uma nota com outra, e quando dei por mim já conseguia tocar uma canção.

Talvez assim seja a vida. Começamos com o desejo de vivê-la, resolvemos vivê-la, porém no inicio ela pode não fazer sentido. Por mais que nos esforcemos, sopremos com todo o ar de nossos pulmões, a vida sai estridente e desagradável, e nada parece sair de bom. Mas se persistirmos, uma hora nosso esforço, nosso movimento, começa a parecer dar certo, aprendemos o jeito certo de nos esforçar, de caminhar, de soprar, até que tudo se junta e faz sentido, igual uma canção. E como uma melodia, apraz nossa alma.

Talvez assim seja a vida. Uma grande flauta doce, que só exige um pouco de jeito do músico, para fazer algum sentido, e ser doce.