"O PESO DO MUNDO"

"Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança."

( Carlos Drummond de Andrade)

Não serei eu á anunciar minha própria morte, mesmo ela estando bem próxima. Mas sei que serei eu, a viver esta vida que de tão longa, já me parece ser bem curta. É que desde que eu nasci, já estava morto. E talvez nem tão morto assim, mas com certeza morrendo. E hoje, sei que ainda estou a morrer. Pois o que seria esta vida, além de uma curta caminhada em busca da morte eterna ?

O problema de se estar morrendo é que as coisas começam a ganhar um significado diferente, ou, as vezes, elas simplesmente perdem todo o significado que possuíam em outrora. O mais irônico nesta parte, está em encontrar a beleza onde você poderia jurar que não havia nada, e, em não ter mais o tempo que sempre esteve ali a sua disposição. Na verdade, ele ainda continua no mesmo lugar, mas agora é você quem não possui muito tempo para ele.

Quando criança, eu já sabia que havia nascido torto, como aquele cara que não importassem os atos, estaria sempre a errar. Sempre a desenhar uma curva sobe a régua. E olhando para os lados, afim de copiar os rabiscos alheios, eu tentei esboçar um desenho perfeito, ou pelo menos algo que me fizesse parecer normal. Deste mundo...

Quisera eu, sair correndo despido pelas ruas desse mundo, com meu nariz de palhaço e minha cara pintada. Apenas quisera, pois ainda sou muito livre para não poder fazer tais coisas. As minhas vontades e meus desejos possuem união impecável, e de tão impecável, afastam-se de minhas ações. Não sei se tu percebeu, senhora, mas tuas ações nada diz respeito aos teus desejos, e como já dito, somos livres demais para não poder satisfazer nossos medíocres desejos, nossas sinceras vontades.

Senhora, não desejarei ser o sonho de um outro alguém, e vagar pelos pensamentos alheios, aqueles cheios de ternura e apreço. Não direi que é errado, porém, não pretendo ter em minhas mãos o poder de desolar o outro. Não quero que seja a minha mão á dar adeus para um coração partido. Do amor, apenas conheço a covardia, o "deixar passar" o tempo. E eu lhe juro, querida, foram tantas as palavras para te pensadas, que de tanto que as pensei, esqueci como pronunciá-las. Certas palavras me engasgam, os poros me envergonham e desse meu discurso, eu nada mais conheço. Prefiro guardar-te em meu pensar, cultua-lá em castidade e quem sabe um dia, talvez, esquecer que te esculpi.

E deste mundo eu só quero um espaço para morar. Mesmo que seja em um beco escuro e molhado. Pois nas grandes fábricas eu não fui feito para trabalhar, o meu dom é pequeno demais para caber num currículo, e para este dom, não se assinam diplomas. Mas o que faço com gosto é escrever, mesmo não gostando de minhas palavras, achando-as rudes e ofensivas. Talvez o que eu goste tanto de fazer, esteja a machucar alguém mundo a fora... E para este problema não há remédio, nem as letras conseguem dar jeito. Pois é difícil quando tudo que você enxerga é feio, quando tudo que enxerga é faminto e voraz, quando tudo que enxerga é sobre você. E mais ninguém.

De vez em outra, toco minha pele com leves cutucadas, a fim de saber se realmente estou ali, se realmente existo. Pois por incrível que pareça, eu ingenuamente ainda tenho esta dúvida. Ora! Como posso duvidar de minha existência se consigo tão facilmente percebê-la? Não posso duvidar da existência do Fernando Pessoa, se eu ainda o percebo, e mesmo indo mais longe, como em Platão, também o percebo. Então a existência se manifesta neste atual mundo, mesmo que este atual mundo não tenha conhecido tal existência. Logo, chego a conclusão de que o existir pouco depende de estar vivo, e viver é apenas a construção do existir pós morte, e esta, pode ou não sobreviver ao tempo. Do outro lado da existência, estão aqueles que não são lembrados, não são percebidos, morrem no tempo. Pois o mundo tem dessas coisas.

Há uma certa tristeza no mundo, mas você apenas a sente quando fica á parte das coisas. Quando estiver se olhando no espelho, tentando dar um sentido para sua própria existência. Procurando um motivo para que todas as coisas tenha um sentido lógico, um simples motivo - mesmo que bobo - para justificar as coisas que terá de fazer, até chegar o dia em que não necessite fazer mais nada.

Esses últimos dias nos parecem os mais belos, mas de tão libertadores que são, ainda tem o poder de nos levar ao choro. E eu chorarei feito criança, implorando por mais um dia no parque, construindo castelos de areia, enchendo os bolsos com objetos inúteis, observando a garota mais bela e aprendendo que felicidade é um caminho para dois, três, quatro...

Mas neste momento entenderei - e finalmente entenderei - do que o homem é feito. Que mesmo tendo seus joelhos pregados ao chão, ainda anseiam carregar o mundo nas costas, nem que seja por mais um dia, ou algumas horas. E como dizia Drummond, este mundo não pesa mais que a mão de uma criança.

Desculpe-me o texto tão grande,

se houvesse mais tempo, o faria menor.

Um Rapaz Meio Estranho
Enviado por Um Rapaz Meio Estranho em 05/05/2016
Reeditado em 30/11/2017
Código do texto: T5626317
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