Nossas vidas secas: somos todos Fabiano

Mais de setenta anos nos separam da publicação de "Vidas secas", mas é forte a constatação de que a temática do livro, isto é, a escassez -de água, de dinheiro, de recursos materiais e intelectuais- é atual e engole a vida de todos nós.

Diante da colossal destruição da Natureza, do colapso hídrico e do progressivo desmantelamento do sistema financeiro, restam-nos somente a dureza e a secura deste imenso e infértil terreno.

Assim como o pobre Fabiano do século XX, personagem que a tantos arrogantes semideuses parece tão longínquo, matamos as gordas baleias do mar e a magra Baleia na terra, a quem não conseguimos salvar: para o alívio de nossa consciência, colocamos-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados e, desesperados diante do inevitável sofrimento, damos nela um tiro.

Nossas ignorância e alienação nos levam a uma incessante espiral de estupidez: somos os ridículos dentro da igreja e os deslocados dentro da festa.

Tomamos álcool e somos viciados em jogos para esquecer o fato de que somos todos mais bichos do que a pobre e fiel cachorra de Fabiano: a verdade é que Baleia, seus donos e todos nós somos animais, sujeitos à mesmíssima teoria darwinista -sempre a dona da realidade implacável.

Tomamos álcool e somos viciados em jogos para ser encarcerados pelo impiedoso soldado amarelo sem nome, mas cheio de poder e autoridade.

Tomamos álcool e somos viciados em jogos para esquecer os senhores do abuso a que somos submetidos: o imbatível e aviltante sistema tributário, a engrenagem desconhecida à qual nós, pequenas peças, pertencemos e o destino, o jogador de xadrez que nos transforma em peão, cavalo, torre, bispo (nunca o rei) e faz com que tenhamos a ilusão de que "tomamos sempre a decisão pelas nossas escolhas"... Frase tão linda, tão falsa e tão batida!!!!

E continuam a faltar a água, comida,dinheiro, recursos, ração, razão, discernimento, conhecimento...

E reproduzimos aquela fala de Fabiano: "para que compreender as coisas? Essas coisas de conhecimento não levam a nada! Seu Tomás da Bolandeira não acabou como todo mundo?".

Com essa fala, engolimos, sem mastigar e sem sentir o gosto, crônicas imbecis das revistas semanais, publicações cujas fotos contêm montagens surreais de computador, superstições, propaganda enganosa, gurus sempre infalíveis, gráficos tendenciosos, fofocas de colunas de artistas, poéticas letras de funk -todos eles com milhões de adeptos...

Resta-nos, só no final, a esperança da (sinhá ou escrava?) Vitória de Fabiano.

Tão fraquinha,tão doentinha, tão miudinha... continua viva ou morreu de sede?