Reflexões
Sob escaldante sol e calor outonal, a pele arde.
Sorriso viaja pra longe
folhas enrolam-se para se protegerem.
Reconheço que são tempos outros.
Muralhas erguidas em ferro e cimento
câmeras nos portões
cães ferozes vigiando movimentos
cercas eletrificadas
cumprimentos áridos
olhares fixos nos aparelhos entre as mãos, como se a vida dependesse de todo este aparato para deslizar pelo destino.
Reflito sobre fios e tramas que nos ligam e na vã tentativa de quebrarmos, de cortarmos elos das gerações, renegamos o ritmo silencioso da vida, a água fresca dos arroios, desmatando até ao mar.
Somos a memória dos tempos
todos elementos
somos o orvalho e a lágrima
somos o amor
o eco das estrelas que se apagaram e ainda brilham.
Somos a ferida aberta, purulenta que atende pelo nome de escravidão ou dúvida, chicoteadas quando fechamos os olhos espirituais.
Somos a insônia dos nossos irmãos que gemem de dor de dente
das sementes arrastadas pelas securas nos campos de refugiados
somos a seda tecida pelas aranhas em busca de alimento
a vergonha dos astutos
os pregos que sangram na carne dos miseráveis.
Reflito nas escolhas
por que as faço
na vida simples
o silêncio
meu ofício de tecelã
essa tristeza infinita que me invade toda vez que escrevo.
Hão de adormecerem um dia, todas as criancinhas, sem fome ou sede.
E também as flores mergulharão suas sementes com fome de vida por toda a Terra e seus perfumes flutuarão curando-nos das mazelas do medo.
Devoram-me as reflexões.
Sinto-me esquisita
a pele arde, exala cheiro de raízes umedecidas por regatos-suor.
Sinto-me um pote vazio
sem água de rio
pra sede matar.....
Sinto-me em construção como ninho de amor enternecido.
A revolta passou apesar do estio e mesmo assim, marejo.