Reflexões

Sob escaldante sol e calor outonal, a pele arde.

Sorriso viaja pra longe

folhas enrolam-se para se protegerem.

Reconheço que são tempos outros.

Muralhas erguidas em ferro e cimento

câmeras nos portões

cães ferozes vigiando movimentos

cercas eletrificadas

cumprimentos áridos

olhares fixos nos aparelhos entre as mãos, como se a vida dependesse de todo este aparato para deslizar pelo destino.

Reflito sobre fios e tramas que nos ligam e na vã tentativa de quebrarmos, de cortarmos elos das gerações, renegamos o ritmo silencioso da vida, a água fresca dos arroios, desmatando até ao mar.

Somos a memória dos tempos

todos elementos

somos o orvalho e a lágrima

somos o amor

o eco das estrelas que se apagaram e ainda brilham.

Somos a ferida aberta, purulenta que atende pelo nome de escravidão ou dúvida, chicoteadas quando fechamos os olhos espirituais.

Somos a insônia dos nossos irmãos que gemem de dor de dente

das sementes arrastadas pelas securas nos campos de refugiados

somos a seda tecida pelas aranhas em busca de alimento

a vergonha dos astutos

os pregos que sangram na carne dos miseráveis.

Reflito nas escolhas

por que as faço

na vida simples

o silêncio

meu ofício de tecelã

essa tristeza infinita que me invade toda vez que escrevo.

Hão de adormecerem um dia, todas as criancinhas, sem fome ou sede.

E também as flores mergulharão suas sementes com fome de vida por toda a Terra e seus perfumes flutuarão curando-nos das mazelas do medo.

Devoram-me as reflexões.

Sinto-me esquisita

a pele arde, exala cheiro de raízes umedecidas por regatos-suor.

Sinto-me um pote vazio

sem água de rio

pra sede matar.....

Sinto-me em construção como ninho de amor enternecido.

A revolta passou apesar do estio e mesmo assim, marejo.

Arana do cerrado
Enviado por Arana do cerrado em 11/04/2016
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