LIXOS DA ALMA

Havia comprado coisas novas, pensei então em ajeitar as gavetas, encontrar alguns espaços, a fim de acomodar meus pertences. Nesse momento me dei conta de quantas coisas estavam guardadas. Coisas que eu nem me lembrava, coisas que eu não usava, coisas que não eram importantes pra mim, mas que estavam ali, pelo simples fato de que um dia, de uma maneira ou de outra, fizeram parte da minha vida. Comecei a refletir, é engraçada a necessidade que o ser humano tem de acumular, de não conseguir se desfazer de qualquer coisa, mesmo daquelas que não lhe fazem a menor diferença, que não representam nada em sua vida. É, eu precisava de espaço, então resolvi limpar as gavetas, jogar fora aquilo que não me servia mais. Sabe, quando nos dispomos a arrumar nossas gavetas, nossos armários, é como se tudo que ficasse fosse essencial, mas na próxima “faxina” nos damos conta de que ainda havia coisas que não deveriam estar ali, que não nos serviam mais. É como em um círculo vicioso, nunca somos capazes de nos libertar completamente do nosso objeto de apego, daquilo que nos prende. Sentimos uma necessidade, mas não saberia explicar. E então damos um jeitinho, apertamos um pouco e vamos colocando mais coisas dentro das gavetas. E assim nos apegamos de mais, nos prendemos de mais e somos livres de menos. O fato é que os espaços que possuímos não são infinitos e uma hora ou outra estarão completamente preenchidos, ainda que tenhamos coisas para guardar. Isso nos leva a uma importante questão. Se não nos livramos do que já não serve, onde vamos guardar aquilo que ainda virá, aquilo de que efetivamente precisamos? Afinal, não é possível preencher um espaço que já está cheio. Isso me faz pensar. Somos, enquanto seres humanos, frutos de uma construção diária, um conjunto complexo de experiências, sentimentos e valores. Somos frutos daquilo que absorvemos, da maneira com a qual lidamos com tudo que é jogado em nós o tempo todo. Falo de amor, indiferença, verdade, decepção, mágoa, sinceridade, amizade, intolerância, desamor, preconceito, entre outros sentimentos. Entretanto, nem sempre utilizamos a melhor matéria-prima para nos moldar. Do contrário, muitas vezes escolhemos o que há de pior no “mercado dos afetos”. Compramos vidros de ilusão, potes de interesse, sacos de falsidade, pacotes de dependência, latas e mais latas de medo, de insegurança, de pena. Alimentamos nossa alma com o que de pior pode haver e quase nunca nos damos conta de como isso é grave. O resultado desse processo é a decepção, é perceber que ainda que estejamos completamente cheios, estamos completamente vazios. Com o tempo, de tantas coisas ruins que acumulamos dentro de nós, passamos a não enxergar as coisas boas escondidas lá no fundo. É como uma gaveta cheia demais, que só mostra a superfície e faz crer que não existe nada além daquilo. Se não revirarmos, se não mexermos, se não formos fundo, não encontraremos nada diferente. E isso nos faz questionar quem realmente somos e se vale a pena se doar, amar, fazer o bem. Vai contra nossa própria essência, contra aquilo que acreditamos. O fato é que tanto as gavetas físicas como as gavetas emocionais devem ser esvaziadas de vez em quando, de maneira plena, para que não sejamos escravos dos nossos apegos e, consequentemente, dos sofrimentos que eles trazem. Precisamos aprender a perder, precisamos ser livres, precisamos não criar expectativas, precisamos não sabotar a nós mesmos, precisamos aceitar que as coisas não são como queremos e que apesar disso, a vida continua. Precisamos não precisar de nada, além de nos mesmos, porque nós e somente nós, somos responsáveis pela nossa própria felicidade. Não é como se alguém pudesse nos fazer infeliz sem o nosso consentimento, mas, às vezes, acreditamos justamente no contrário. Entenda, o outro é apenas o outro. Aquilo que o outro faz, diz mais a respeito dele do que de qualquer outra pessoa. Você não deve sofrer pelo que o outro te fez. Não se alimente do lixo alheio. Continue sendo verdadeiro com quem você é, apesar de tudo. Seja livre, não absorva e, se acabou absorvendo, deixe ir, afinal, aquilo que não te pertence simplesmente não é seu. O caminho é realmente difícil. Quanta coisa foi e quanta coisa ficou, eu simplesmente não consegui, quem sabe na próxima arrumação?

Fran Locateli
Enviado por Fran Locateli em 04/04/2016
Reeditado em 15/06/2022
Código do texto: T5595220
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