PRIMITIVA

Abri os ganchos sem cuidados e foi na medida.

Há quanto tempo caminho?

Tanto que dá pra enrolar em volta do Universo aquela echarpe lilás que anda comigo desde sempre, dando voltas e mais voltas.

Abri os ganchos porque não acredito em prisões.

Descortinam-se verdades e os desejos perdem o sentido.

O azeite de minhas lamparinas quase secaram, coloquei-as ao sabor dos ventos e consumiu-se rapidamente.

Acontece um alumbramento, uma cadência, quando pego na pena.

Escrevo essa cacaria e a mesma me remonta à coragem e aos anos, tornam-se gargantas afiadas, oitavadas, sublimes!

Sempre me pediram para engolir o choro, ser chorona era sinônimo de manha, de gente mole , dengosa.

Cresci(será)? e até hoje sou chorona, não me importo com os adjetivos.......ainda bem, pois de minhas lágrimas, obtenho pérolas que me justificam.

E quando acendo o braseiro no terreiro da oca, pedindo licença para os elementos todos, daí, os ganchos d'alma dessoram-se e me ajeito, revolvendo alaridos tantos, perfumes dos incensários, cabides tortos como olhares dos passantes, aquela criança que outro dia gritou: _Oi dna. rosa? Outras crianças corrigiram-na: _ Não é dna.rosa , é a dna flor...........O braseiro faz isso, é lindo demais!

Quando moçoila gostava de teatro e sair andando pelo meu cerrado seco em agosto,pra colher suas flores que duram anos, uma vida, e também os tocos com formatos variegados, sem retoque; o vento trabalha-os arduamente e é tudo muito detalhado, lindo demais!

Da beira do lago de meu irmão mais velho, Leon Deniz, trouxe dali duas pedras cor de rosa, e quando tomei ayahuasca vi jesus na primeira e um velho índio de cara amarrada na outra, muito contrariado de tanto amassar barro para vedar sua oca não esperando nada de ninguém.

Que povo lindo, puro e bom!

Que povo sem mesclas, são felizes.

São vigilantes das selvas, têm atitudes preservando suas culturas.

Infelizmente não morei com os filhos da terra, não me aconcheguei em suas redes ou cantos, em seu aqui e agora, mas como sou ligada de corpo e alma ao planeta, admiro nossos ancestrais das raízes aos píncaros!

Trago gratidão.

Escolhi abrir os ganchos escrevendo PRIMITIVA.

Sinto-me assim.

De sol a sol amparo-me na rudeza e delicadeza.

Meu mundo é dual, venho aqui e desmorona-se.

A flor que brota em mim, pode ser sua safra, aproveite-a!

Nossas flores espirituais são sensíveis, herdam o mergulho das sementes perfumadas, fingem até serem agasalhos mas são abraços de corpo inteiro, são a ponta do novelo, a estória que nunca terá fim.

Abri os ganchos para derrotar os pesadelos, para me tornar mais amorosa e não me preocupar com a partida, nudez ou memórias.

Abri porque se há um deus, peço gentilmente que levante sua mão

sobre mim e me faça melhor.

Vi minha mamãe de boca costurada com pontos cor de rosa e o procedimento foi deveras horroroso. Lembrei-de sr. Ranulfo e dna. Olinta defuntos que visitei na infância. Traziam uma fraldinha amarrada do queixo ao alto da cabeça numa estética muito mais honrosa.

Gosto destes procedimentos simples, antiquíssimos, parecidos comigo.

Sou ligada demais às cores e música, ao canto principalmente.

Acredito que as artes retornam à Terra, aproveitam-se das energias e transformam-se fecundas, sem rejeições.

E como já estou encompridando demais, aproveito o empurrão, fico mais sensível e encontro você.

Chega em minhas letras procurando o oculto e o perene.

Encontra uma índia de pés no chão, fingindo ser alegre, nunca negando ser proletária.

Já chispei fogo pelas ventas para não cair nos becos.

Sobrevivo sem ganchos e minhas flores agora são sombrias, não tristes, prefiro-as assim, identificam-se comigo.

Quem sabe um dia serei lavada pela sociedade e encontrarei meu lugar?

Em todos os tempos detém-se a melodia.

"Peregrino de sete eus me invade um incêndio e nele cairei" P. Ubaldi.

Arana do cerrado
Enviado por Arana do cerrado em 03/04/2016
Reeditado em 05/04/2016
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