Eu sou um sabiá

Minha amiga disse eu ser uma desvairada.

Ela me perguntou como é que se desapaixona.

Eu respondi: "se desapaixona se apaixonando, ora pois".

Ela tresloucou: deu de me contar os piores dos planos pra fazer do apaixonante um desapaixonante: inventou as mais escabrosas confabulações.

Enfeitiçada pela obstinação desalmada da dolorida, ouvi quietamente.

No final, contei pra ela que ela tinha era inventado tudo aquilo.

Ela nem chiou.

Aproveitei pra explicar minha teoria desapaixonadora: "a gente se desapaixona se apaixonando tanto, tanto, tanto, que a gente deixa de querer ter a pessoa pra não correr o riso de perdê-la".

Ela disse, "mas a gente sempre quer ter".

É, mas enquanto não tem, vira sabiá* **.

* Sabiá é um passarinho bonito e que canta bonito; e que o Chico Buarque morria de saudades quando morava na Itália; e que o Caetano disse que não importa onde o(a) apaixonante está, como, ou quando, o sabiá sempre vai cantar pra ele(a) com o jeito que ele tem de consolar; e que o Gonzagão disse que ele alivia a dor, a dor de saudade.

Sabiá é um bicho apaixonado, e um bicho incondicional.

Eu me identifico com os sabiás, sendo assim.

Sendo assim, eu me identifico com os bichos.

Os bichos são uns desvairados.

** Eu mandei a minha amiga virar o sabiá da música "Sou seu sabiá", do Caetano Veloso.

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 02/10/2005
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