Sem título II.
Tenho um incômodo que não sai de mim. Não é fome. Tampouco o corte de outrora no dedo indicador da mão direita ao estar alheio ao mundo.
Incomoda-me, em excesso, talvez, a realidade, fruto de um exercício indubitável em apontar os dedos e elevar a voz. A obrigatoriedade. Estar disposto a abrir a mão de sua vida para passar a maior parte dos seus dias onde não se quer. Sequer. Sequer tenho palavra para opinar numa sociedade castrada ao primeiro respirar. Acordar cedo. Trabalhar. Ganhar papel. Trocar papel. Escambo. Não tão diferente dos índios, apenas atribuíram um valor fictício para algumas notas.
O incômodo me toma novamente o peito. Dessa vez, o sinto mais latente. É uma inquietação. O rufar de tambores que ouço perpassa meu corpo, meus sentidos, quer se libertar. Quer sair da casca.
Apavora-me, contudo, encontrar pessoas que possam nunca ter sentindo tal inquietação. A inquietação de não se caber em si. De querer transcender, mas estar preso às correntes da realidade.
Acho que é isso que sinto ao terminar um livro, ou quando assisto a algum filme. Eu apenas me calo e sinto. Não quero mais as palavras, elas não traduzem o que meu corpo está processando e quiçá meu corpo suporta a montanha russa de várias voltas tremulando sem destino. Pra onde vai toda essa paixão? A paixão por uma música, por um hobbie, por um personagem, por livros, filmes, pelas pessoas? Como o corpo processa essas informações e em minutos já está tudo normal?
Eu gosto desse êxtase. Essa deve ser minha droga. Uma droga permitida individualmente, mas proibida em larga em escala. Proibida a pluralidade. Muitas vezes não por não poder, mas por não conseguir.
Quantas vezes não senti vontade de gritar, mas não sabia como traduzir?
Nosso corpo fala uma linguagem diferente. Sente de forma diferente. O frio na barriga, a leveza de quando o coração pesa ao ver ou saber de algo que te deixa triste. Pensar nisso me acomete que não sei lidar com tais sentimentos, tais nuances. Não sei lidar sentir muito em um mundo que sente pouco e por demasia pede a morte por asfixia daquilo que está se debatendo pra sair, porque você não pode sentir. Não pode gritar. Não pode amar. Tem que que se calar. O mundo e o resto das pessoas não tem tempo pra ouvir o que você pensa.
A última lamentação antes de dormir sussurrada entre soluços salgados que provém de uma garganta trancada que dói, e como dói, não tem espaço nesse mundo. A paixão não tem espaço nesse mundo. A história de cada pessoa, não tem espaço nesse mundo. O que cada um é, não tem espaço nesse mundo. A magia. O amor.
Por vezes pego-me pensando se a vida é só isso. E, às vezes, de súbito, sem entender, sou acometido em um lançamento através dos anos, e é quando me vejo sentado em um banco de ônibus, já idoso, e sentindo as mesmas coisas que hoje me tentam sair pelo peito. A vida não pode ser só isso.
Procuro sempre as palavras que melhor se conectem com o que já disse e o que ainda vou dizer. No entanto, para a beleza que é vida, a paixão, o amor, a vontade, não se deve procurar palavras. Por vezes, basta senti-las.
Se não puder gritar aquilo que está implorando pra sair do teu peito, tente desfrutar ao máximo a desesperada sensação de felicidade ou seja lá que esteja clamando para transcender. Acomode-se em um abraço de quem te ama. Você não está sozinho.
Por vezes não escrevo por sentir que não tenho palavras ou vivência para tal, mas acredito que o que carrego comigo é a vontade de conhecer todas as pessoas, as histórias, as paixões e poder traduzir isso de alguma forma em tudo o que faço, em tudo que escrevo, em tudo que desenho, faço e falo.
"Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício. Acho medonho alguém viver sem paixões".*
Você é capaz de despertar o melhor das pessoas. Mude o mundo. A magia existe e ela vem das pessoas. De ti. Você não está sozinho.
Eu não estou sozinho (e é isso do que estou tentando me convencer agora e sempre, ao escrever o que tenta sair do meu peito).
- A.H. [Mais um texto incompleto (e errado) por conhecer menos histórias, paixões e pessoas do que gostaria].
*Graciliano Ramos.