A PARÁBOLA DO PRÍNCIPE E O FUGITIVO

Existia em um certo reino uma cadeia famosa pelas suas deploráveis condições. O lugar de fato era muito pior do que qualquer outro que possa ter existido. Ele ficava a muitos metros abaixo da superfície. A escuridão era total. Lá não existia nenhum tipo de limpeza, sendo que os prisioneiros faziam todas as necessidades na próprio roupa, e nunca lhes era dado o direito de tomar banho, nem mesmo se lavar de qualquer forma. O chão era enlameado, as paredes úmidas e cobertas por musgo. A alimentação além de ser pouca era fornecida vez por outra, simplesmente sendo jogadas ao chão. Não era permitido receber visitas. Os carcereiros tinham o direito de fazer o que bem entendessem com os prisioneiros, enquanto estes não tinham direito a nada. Ninguém jamais conseguiu escapar de tal lugar, e todos que lá eram jogados, lá morriam.

Acontece que um dia um dos prisioneiros, milagrosamente, conseguiu fugir. E saiu tresloucado correndo pelas ruas, dizendo para si mesmo: prefiro mil vezes a morte a ter que voltar para lá. A luz do sol, que ele não via há muito tempo, prazerosamente doía-lhe aos olhos. Os carcereiros saíram em busca do preso fujão, ansiosos para o prenderem, pois já estavam a imaginar meios de torturas muito mais cruéis para punir o foragido, a ponto de deixar os meios de tortura mais cruéis existentes até então, como um lindo dia ensolarado de passeio no bosque, de mãos dadas com a pessoa amada.

Como sabia que seus algozes estavam em seu encalço, o fugitivo tomou uma atitude desesperada, e invadiu uma das mansões que lá existiam. Foi ele invadir justamente a maior e mais bela mansão. Ao invadir a mansão o fugitivo ficou boquiaberto. O lugar era belíssimo. Extremamente limpo, e nada estava fora do lugar. O detalhe da cada um dos móveis chamava a atenção. E chamava a atenção também a quantidade de ouro, prata e quadros magnificamente pintados. O tapete era macio e cobria todo o lugar. Certamente ele invadiu a mansão de alguém que possuía uma riqueza imensurável. Quando olhou para o lado ele viu algo que chamou ainda mais sua atenção: o brasão da família real. Ele tinha invadido a mansão de algum dos membros da realeza.

Antes que pudesse ter outro pensamento, ele viu que alguém estava sentado em uma poltrona, igualmente linda como tudo o que havia ali. A pessoa ao ver o invasor ficou de pé. Era um jovem, belo e de um porte físico invejável. Vestido com uma roupa que logo se via que era muito cara e portanto algumas joias de rara beleza.

Atônito, o fugitivo tentou sair por onde entrou, mas o jovem disse:

― Espere! Não saia!

O fugitivo obedeceu, mais pelo instinto do que pela razão.

― Quem é você? ― Disse o jovem.

― Por favor me perdoe. Não sabia onde estava entrando. Jamais entraria aqui se soubesse de quem era esta casa ― o fugitivo falava ao mesmo tempo que tentava respirar.

― Eu sou o príncipe deste reino. Filho do rei. E você, quem é?

O fugitivo baixou os cabeça, e em sinal de total submissão ajoelhou-se e pôs o rosto no chão.

― Eu? Eu não sou ninguém. Aliás, eu não sou nada. Mais uma vez eu peço: perdoe-me. Como eu disse, não ousaria jamais entrar aqui se soubesse que esta mansão pertencia a tão elevada pessoa. Sei que não sou digno de estar na presença de Vossa Majestade ― de joelhos como estava, e com o rosto encostado no chão, o fugitivo levou às mãos ao rosto e começou a chorar. Já esperava um golpe mortal em sua cabeça. O que não seria um mau negócio diante do futuro que lhe aguardava.

O príncipe aproximou-se do fugitivo, gentilmente agarrou-lhe pelos braços, magros e sujos, o pôs de pé e olhando em seus olhos disse:

― Vou perguntar mais uma vez! Quem é você?

O fugitivo, a poucos centímetros do príncipe, não sabia o fazia: Se se jogava mais uma vez no chão; se contemplava a beleza do príncipe; ou se tentava fugir. Como sua condição física não permitia se soltar das mãos do príncipe, que mesmo não lhe machucando, mas segurava-lhe com firmeza, o fugitivo então começou a falar.

― Eu sou um fugitivo da terrível masmorra que fica no subsolo. Por algum motivo consegui fugir. E fiquei alegre ao ver o sol, e o vento fresco no rosto. E por isso já achei que valeu a pena tentar fugir daquele local tão horrível. Mas, para meu azar, resolvi invadir logo a mansão de Vossa Majestade ― Parou um pouco sua narração, baixou o olhar e seguiu em um choro contido, mas cheio de lamento. Essa situação durou por alguns segundos. Quando o fugitivo então sentiu o afrouxar das mãos do príncipe, que em seguida soltou-lhe totalmente. O fugitivo pode sentir a mão do príncipe em seu ombro. Aquele gesto era estranho, pois fazia muito tempo que alguém lhe tocara que não fosse para batê-lo.

― Por qual motivo você foi mandado para lá? Você de fato é um criminoso ou mais um injustiçado como tantos? Sou o príncipe, tenho autoridade para livrar você de lá, se de fato você for inocente.

― Sim, sou um criminoso ― disse ainda cabisbaixo ― Já cometi tantos crimes que resolveram me mandar para aquela prisão. Não sou injustiçado. Fui condenado porque sou um fora da lei. Creio que não há crime que eu não o tenha cometido. Muitos dos quais o cometi diversas vezes. Para mim, não há solução ― deu uma pausa, e suspirou profundamente ― Os carcereiros chegarão aqui em instantes, e serei levado de volta para a prisão. Para pessoas como eu, lá é o habitat natural.

Ele então abriu os olhos, levantou o rosto, e viu o príncipe esboçando um sorriso para ele.

― Sente-se! ― Falou Sua Majestade, enquanto também sentava-se.

O fugitivo obedeceu, sentando na beirada de uma aconchegante poltrona. Aliás, não se lembrara se já sentou-se em um lugar tão macio.

― Se de fato você é culpado, como mesmo afirma, então não posso impedir que você seja levado para a infame cadeia. Mesmo sendo um príncipe, eu também tenho que seguir a lei, e se eu as quebrar serei motivo de vergonha para meu pai, o rei.

O fugitivo baixou a cabeça novamente, e assentiu com a cabeça, cônscio de que o príncipe estava com a razão.

― Mas eu quero lhe fazer uma proposta ― Disse Sua Majestade.

O fugitivo maneou levemente a cabeça para o lado, serrou as sobrancelhas e pensou que o príncipe fosse um fanfarrão que queria apenas zombar dele.

― Como você foi sincero comigo, assumindo quem era. Como não tentou me enganar, e não disse ser inocente, mesmo sendo culpado, eu quero lhe fazer uma proposta ― O fugitivo continuou em total silencio, mas prestando atenção na fala do príncipe ― Eu serei preso em seu lugar!

O fugitivo então pensou que o príncipe não era um gozador, mas que por certo padecia de algum mal que afetara-lhe a cabeça. E um segundo ele pensou se não teria entrado em um hospício.

― O senhor vai ser preso em meu lugar?

― Sim!

― Preso naquela horrível cadeia? O senhor sabe da situação em que aquela masmorra se encontra, e qual é o tratamento dispensado aos presos lá?

― Com toda certeza!

Os dois entreolharam-se magneticamente por alguns segundos, sem que nada fosse dito. O fugitivo, sentado como estava, encostou o cotovelo esquerdo na perna esquerda, e acomodou o queixo na mão.

― O senhor vai ser preso em meu lugar?! Entendi. Mas o que queres de minha parte? Ouro? Não tenho. Dinheiro? Muito menos. Nada tenho para lhe dar. Então me diga, o que posso eu fazer para Vossa Majestade.

― Nada! Eu não quero nada.

― Eu não entendi. Pode repetir, por favor? ― disse o fugitivo que na verdade tinha entendido perfeitamente, mas não tinha acreditado no que ouvira.

― Irei para a prisão em seu lugar. E em troca não quero nada. Apenas que me sirva, que seja fiel a mim, e que assim como eu estou sendo bom para com você, que você seja bondoso para todos aqueles que cruzarem seu caminho. Apenas isso e nada mais.

― Vossa Majestade tem certeza de que quer mesmo fazer isso?

― Tenho a mais firme e inabalável certeza que farei isso por você.

― Mas, e se matarem o senhor? E mesmo que não o matarem eles vão lhe torturar de forma monstruosa, principalmente porque vão pensar que o senhor sou eu, um insolente que teve a audácia de fugir. Os castigos e as torturas que vão lhe aplicar serão de uma natureza nunca antes imaginada. O sabe de tudo isso, não é?

― Sim. Sei de tudo. Mas não se preocupe com isso. Sei que vou sofrer coisas horríveis, principalmente porque não sei o que é a dor, e sempre tive uma vida de príncipe. Mas se é para te salvar de lá, eu faço ― Afirmou o príncipe sem demonstrar qualquer dúvida que de fato era exatamente este o seu desejo.

― E depois, como o senhor fará para sair de lá? Eles jamais acreditarão na sua história.

― Eu dou um jeito. Sei que passarei muito tempo preso na masmorra, talvez até anos. Mas um dia conseguirei sair. E aí serei posto em liberdade, pois sou inocente, e você não poderá mais ser preso, pois eu cumpri sua pena. Eu sou inocente, pois não cometi crime algum, e você tornar-se-á inocente pelo fato de que eu cumpri a sua pena. Inocência para ambos!

O maltrapilho e sujo foragido, não conseguiu acreditar no que acontecera. Seria mesmo isso possível? Será que verdadeiramente poderia alguém no universo ter um coração tão bondoso?

― Bom, então o que devo eu fazer? Como proceder para que acreditem que eu sou um príncipe e o senhor um foragido?

― Simples, vamos trocar as vestes. Você usará minhas roupas reais, e eu usarei suas vestes de presidiário. Você passa a ser da realeza e eu um preso. Quem jamais o questionará se estiver vestido com as minhas roupas?

E assim o fizeram. O príncipe retirou seus trajes reais, e vestiu a roupa do foragido. Na verdade não passava de trapos e molambos, que de tão sujos chegavam a ser húmidos. O foragido pôs as vestes reais, lavou-se, e logo não era nem de longe aquele resto de gente que um dia foi. É impressionante o que um pouco de dignidade pode fazer.

De repente eles ouviram alguém bater na grande porta de madeira maciça que ficava defronte à mansão, e uma voz que dizia, ainda estando a porta fechada:

― Majestade, somos os carcereiros da masmorra. Desculpe o incômodo, mas é que um dos presos fugiu, e talvez ele possa ter entrado em sua residência. Por favor, abra a porta para que nós o capturemos.

― Rápido ― disse o príncipe vestido de mendigo ― vou me ajoelhar e você me amarrará. Diga-os que você me imobilizou e me prendeu logo que eu invadi.

O foragido vestido de príncipe, fez como ordenara o verdadeiro príncipe. Em seguida abriu a grande porta, olhando para seus algozes que antes o torturavam, mas que agora jamais ousariam sequer olhas em seus olhos em virtude das vestes reais que estavam usando.

― Majestade, como dissemos, talvez um foragido da masmorra tenha entrado aqui. Por favor, permita-nos procura-lo ― disse os carcereiros, olhando para baixo em total respeito para com o pseudo príncipe que estava em sua frente.

― Sim, de fato este foragido que vocês procuram invadiu minha mansão ― disse o foragido, tentando fazer uma impostação de voz mais grave ― Mas eu já o imobilizei. Entrem, ele está ali amarrado. Podem leva-lo.

Os carcereiros assim o fizeram, levando consigo para a fétida e cruel masmorra uma pessoa que eles jamais iriam acreditar que seria o príncipe daquele reino.

Você acha difícil de acreditar? Você acha que isso se trata de uma ficção? Acredite, não se trata de uma ficção. Essa história aconteceu a muito tempo. Não exatamente desta mesma forma, nem com este mesmo enredo, mas a história de fato aconteceu. O maltrapilho foragido somos eu e você. O justo e amoroso príncipe é Jesus. O que Jesus fez por nós foi algo parecido, mas em uma escala infinitamente maior.