Porta-retrato

Não ocuparei o seu porta-retrato. Não porque eu não seja sexy ou elegante o bastante para preencher seus caprichos de homem sofrido e indelicado. Não é pela minha personalidade de ser sensível que faz o mundo de papel e se perde com facilidade, não é por isso, nem pelas imperfeições de um lugar que não é meu, muito menos pela agonia de me pertencer. Não é castigo dos céus ou por falta de compaixão, muito menos pelas rimas propositais. Não é pelos óculos quebrados, nem pelas pessoas quebradas, nem por quem você quebrou e nem porque eu ainda esteja em cacos. Não é falta de repertório, não é ligação errada, nem caminhos opostos, não é por falta de beijo apaixonado ou sexo quente, não é pela falta de demonstração de afeto, não é por eu aceitar meu destino mediano e chorar aos poucos para disfarçar o estrago já feito por você.

Talvez, você pense que é pela minha ânsia de acertar, pelo meu espírito itinerante, pelo ego de escritor ou pelas mãos amedrontadas que, em momentos de tensão, parecem grandes, pesadas e desajustadas.

Você ocupa um dos meus porta-retratos, mas eu não ocuparei o seu, sabe por quê? Por excesso de amor. Por excesso de cuidado e sensibilidade romântica dos anos 30 que hoje não faz significação. E não há nada que eu possa fazer para mudar isso. Não há salvação, mas mesmo assim escolho ficar, talvez, pra ver até onde vai, talvez, por ser covarde, talvez por não ter outros apoios na vida, ou por admirar demais o amor dos outros, ou por desejar demais afeto utópico.

Achei que depois de um tempo, depois de escrever tanto, as dúvidas se cessassem, que engano o meu! A cada dia estou mais embaraçado, cada vez mais critico os sonhos da minha vida de classe média brasileira. –Ardente em desespero, obcecada por objetos icônicos, amaldiçoada pela indústria cultural e doente por simbologias religiosas.

A vida toda me venderam uma imagem errada sobre os brasileiros e sobre o Brasil. Achei que aqui houvesse calor e amor de verdade, mas nossa felicidade é triste, nosso calor é ignorante, estamos perdidos, todos nós. Você e eu somos o Brasil. Somos belos, temos paraísos, clima e superação, mas tão infantis, tão prolixos, tão fora do eixo, imprevisíveis, involuntários, viscerais, violentos. Não há lugar pra nós, brasileiros, em porta-retratos. Não os verdadeiros, só aqueles que ficam na casa das avós, aqueles que os netos pedem para eliminar pois estão muito feios. Não há lugar pra mim, o Brasil foi só um jeito de apaziguar isso, vai ver é por isso que são todos obcecados por telenovelas. Somos mestres na atuação, sabemos tudo sobre alegria frágil, choros histéricos, suicídios rasos e riquezas com represálias.

Poderia terminar com mais um “eu te amo”, mas vou terminar com o porta-retrato.

Lucas Guilherme Pintto
Enviado por Lucas Guilherme Pintto em 27/02/2016
Reeditado em 30/08/2016
Código do texto: T5556879
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