Pensamentos XXVIII - Tédio
Estou só em algum lugar do universo, jogado à madrugada de qualquer noite. Sinto tédio como um sono no corpo. Pesam-me as pálpebras por sobre os olhos ardentes e cansados, espero pelo dia. O silêncio, onde a poeira se deita para repousar, nos cantos dos móveis, é mais agudo e me irrita, cansa-me o ouvi-lo sem ouvir; por entre as cortinas da janela entra sem pedir licença a luz sonolenta da lua, plangendo seu espírito numa parte do chão do quarto a idiossincrasia de sua cor sem cor, vazia. O vento passa em algum lugar do mundo, penso nele por não haver de estar aqui, portanto lembro-o. Sufoca-me o silêncio mudo das formas inanimadas. Sinto-me como as águas de um rio esquecido nas pinceladas de uma pintura preto e branco. Vou ficando ansioso sabe-se lá porquê, os olhos pedem para dormir, embriagados, bambeando de um lado para o outro, preocupados sem motivos com as horas idas. Não sinto sono. As cortinas velhas e o mundo padecem resinados pelo espaço que os envolve, como se o próprio espaço fosse alguma substância invisível que os cristalizasse no agora, eternamente. A alma sobe a superfície do mundo das palavras para comunicar impressões falsas, meias impressões, já que não sei bem o que estou a sentir e nem tenho por quem esteja a sentir em mim. Apenas sinto. Como uma estátua, afundando como que subjetivamente, lentamente e em agonia, afundo na areia movediça do tédio desenganado pelo tempo que retirou-me todo movimento da alma. Restou-se apenas o vazio do crânio oco a rolar de um lado para outro na consciência moral de mim, que me cansa mais do que o próprio tédio de ser eu neste momento. Escrevo para poder esquecer-me, assim assisto os pensamentos abstratos que passam pelo olhos da alma cansada, carregados pelas mãos invisíveis do nada.