A Moça da Janela

A Moça da Janela

Embora muita gente não acredite, eu sou tímido. A timidez, essa desconhecida, talvez seja um dos mais intrigantes comportamentos. Não é ausência de coragem, não chega a ser mêdo. Quem sabe uma prudência excessiva ou uma grande vontade de acertar ou temor de errar ou de cair no ridículo. Surge a vontade de tomar uma atitude, de falar uma observação que só cabe naquela instante e... Você perde o bonde porque hesitou, achou melhor não se manifestar, finge que não possui opinião formada sobre o assunto, deixa as coisas prosseguirem sem sua intervenção. Pior ainda é quando aquela pessoa que você acha burra faz ou fala exatamente o que você pensou e todos acham ótimo e apoiam. E o maior dos desastres é tomar conhecimento que, anos depois, pessoas que você achava o máximo eram suas admiradoras e não se aproximaram, pois também eram tímidas e o consideravam orgulhoso, mas eram suas admiradoras. Outra caracterisetica da timidez é sua inconstância, há ocasiões que calamos e outras falamos. Não há como recuperar as experiências e saber que rumos nossa vida teria se tivéssemos tomado iniciativas que, por causa da timidez, deixamos de tomar. Fico imaginando quantas experiências foram negadas aos tímidos. Mas pode ser que tenham se livrado de muitos dissabores, de muitas decepções.

Segundo Milan Kundera, após tomarmos uma decisão nunca saberemos se a outra opção nos faria mais ou menos felizes. Mas o momento perdido não se recupera. A primeira frase do romance “Rebecca, a mulher inesquecível” de Dafhne Du Maurier começa com uma frase, sem querer parafrasear, é inesquecível para mim e diz: “Voltar atrás é impossível.” É uma verdade. Só para ilustrar: o romance “A Sucessora” é anterior a “Rebecca”, escrito por uma brasileira chamada Carolina Nabuco. Há quem fale que Dafhne teve acesso ao livro e copiou a idéia (Wikipédia).

Hoje as pessoas são muito mais descoladas, mais soltas, exprimem suas opiniões mais frequentemente. A timidez está fora de moda? Acho que sempre haverá pessoas tímidas. Então, cada vez que eu, na adolescência, passava em frente à janela da casa em frente à minha, não ousava arriscar um olhar, minha timidez era uma censora atenta para não ser surpreendido. Mas, de longe, sem ser visto, me demorava contemplando a janela verde. Se fechada, ficava torcendo para ser aberta. Se aberta, uma cortina branca não deixava entrever muita coisa. Em ambos os casos, a expectativa de que certa pessoa olhasse ou, melhor ainda, ficasse na janela olhando o movimento da rua que nos separava, era muito grande. Achava raro ver o objeto da minha espera: a moça que morava na casa em frente a minha. Era uma coisa platônica, distante, que ficou no tempo, sem evoluir. Não conversamos nada além de rápidos cumprimentos e nem notei, de parte dela, uma abertura maior. Ficou a lembrança, a memória emocional de uma época de minha vida que gosto de lembrar com carinho, mas nunca saberei se teria sido mais ou menos feliz do que fui. Quem sabe um dia, ela apareça na janela, olhe em minha direção, atravesse a rua e venha conversar comigo. Eu não tive coragem de fazer isso.

Paulo Miorim

Santos, 19 de fevereiro de 2016.

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Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 19/02/2016
Código do texto: T5548878
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