Pensamentos XXV - Eu e o outro - em mim
Quando releio algo que escrevi há muito tempo sinto que fui outro, e se não fui outro, pelo menos pensei como outro, porque não sinto que eu os escrevi, por mais que lembre que fui eu. O saber e a lembrança são fracos diante do sentir imediato, não me fornecem realidades sólidas. O que fui se transforma na sombra de outro que desconheço, o que sou subsiste no intervalo entre ser e não-ser, na lacuna de um para o outro. O que se é dito só faz sentido quando se é dito. As palavras só possuem realidade no presente, assim como a vida. Da perspectiva do que escrevo sou um outro quando releio meus textos, da minha perspectiva sinto que fui outro ser, de uma outra vida, quem os escreveu. O que sou neste momento? Um intervalo, uma sala vazia que aparentemente não contém nada, mas que contém o espaço contido em si mesma; e é nesse espaço onde tudo acontece, onde lembro quem não sou.
Quando reler isto já não serei eu quem estará lendo, enquanto escrevo isto não sei quem sou, penso no outro que ei de ser, assombro-me diante da impressão de que sou somente um processo, um efeito dos meus próprios pensamentos. Inquietação. Procuro-me, e quando encontro me desconheço, vejo-me e não sou eu. Ser eu é desconhecer-me.
Sinto-me alheio a mim mesmo, não consigo visualizar-me como visualizo outrem. Só me conheço pelo que desconheço de mim, portanto nada sei. Escrevo sem saber o porquê nem para quê, crio para poder me esquecer. Se criar é viver, viver é esquecer.