Banco de memórias
A criança salta o muro para a rua e de repente, a rua é o mundo. Não há nada mais profundo que a rua sublimando o mundo e a vida toda ela própria, se encantando inteira nos passos que correm atrás do que vem além. A visão é curta, portanto, a alma inocente não sente o que certos poderes exercem, e o corpo pode correr de braços abertos, a deixar o vento bater.
Na esquina, um homem de chapéu, velho conhecido da família lhe pergunta o que faz sozinho fora dos limites do quintal. Sem responder corre como se não ouvisse, sem limite, sem destino; um autômato móvel com tração animal. Olhos fixos no porvir sem tempo, sem egoísmo, sem compromisso, sem pensar em retornar. Ainda não existem desejos, projetos insanos, meias medidas, castigos mais duros, consequências. E as melodias no ar, os cheiros, as cores, vão sedimentando em seu coração a condição de um eterno retorno ao momento, desvãos. Sempre que um dia estranhamente igual vier a amanhecer pela vida afora, o acesso acontecerá.