Alforria

Chama-se servidão por dívida: Os trabalhadores se endividavam cada vez mais com seus patrões, pois eram obrigados a comprar apenas na mercearia deles, pagar pelo alojamento e o trasporte era negociado ainda na fase de aliciamento, também contabilizado na divida. Caso relutassem era impedidos de sair das propriedades por homens armados e as condições de segurança e higiene eram precárias. Para ficar mais claro vou tenta exemplificar, certo?

João Silva acordava às 4 da manhã para pegar o transporte que o seu Senhor disponibilizava por um certo valor mensal. Na verdade, João começava a trabalhar mesmo às 9h, mas o Senhor já fazia o favor de mandar a condução de João, além do mais ele não gostava muito que seus funcionários dormissem perto de suas propriedades. Quanto mais longe estivessem, melhor. Pena que as distrações para lazer estavam perto da casa do Senhor e no dia de folga João não tinha como ir até lá. Ele chegava quase atrasado e já cansado. Muitos outros companheiros dividiam o veiculo e acabavam se abarrotando para que todos chegassem cedo, e ninguém desagradasse o patrão.

Quando os ponteiros do relógio formavam um angulo de 90 graus, João chegava ao trabalho e dali só saia até que voltassem para a mesma posição. Ele não gostava do que fazia, o corpo doía, a mente não trabalhava, comia, não pensava. Ao sair, o mesmo transporte. Chegava cansado ao alojamento, via TV -grande- estava terminando de pagar. Menos uma dívida. Mas o filho estava doente. Podia plantar uma erva que ajudaria, mas não pode. Tem que levar ao médico e comprar remédio na farmácia, imagina que absurdo usar a natureza para ajudar o filho. Mais uma dívida. Deitava, a companheira pede uma cama nova como a do comercial, ele diz sim, mais uma dívida. No outro dia a mesma coisa. Chegou ao alojamento e a dispensa estava vazia, podia plantar, na sua terra tinha tudo no quintal. Mas onde? Na cidade dizem que é mais seguro no mercado, o veneninho pros bichos não faz mal ao ser humano. E com que tempo, se tinha que servir e pagar as dívidas? Mas se era para pagar como não tinha? Um empréstimo no banco. Mais dívida. João odiava falar ao telefone, gostava era do olho no olho, os amigos disseram que ele só seria alguém com o celular que saiu essa semana, ele não entendeu, mas.. Mais uma dívida. E depois de mais um dia, ele recebeu a noticia que a mãe morrera na fila do hospital. O Senhor era dono do hospital, mas sua mãe não era útil para o Senhor, não tinha porque aplicar esforços para salvá-la. Menos uma dívida. Deitou-se, uma lágrima. Podia largar tudo e ter uma vida mais simples, mas como ia dar uma vida melhor para os filhos? Ia perder a casa que estava construindo? E como iria ter roupas novas se largasse o emprego? A mulher era costureira, mas as crianças só queriam roupas do shopping. João até tentou vender o que a mulher fazia, tinha visto numa revista que achou no lixo: Estavam pagando muito bem por peças feitas a mão em comunidades. Ideia de um estilista famoso. Montou sua barraca na praça. As marcas de pauladas na cabeça ainda estavam doloridas, os homens do Senhor disseram que ele estava atrapalhando o espaço. João não entendeu.

E assim João se via cada vez mais distante da alforria. Não tinha mais esperança de quitar a divida. Ficaria para os filhos e os filhos dos filhos. Lindos por sinal. Mas é só um exemplo de um tempo ultrapassado de servidão. É claro que você sabe o que quer, corre atrás e acorda cedo. Sei que sabe o motivo de comprar tantas coisas. Sei que é importante, você deve saber porque gasta mais do que ganha para provar algo a alguém. Contei, porque é interessante. A escravidão é uma situação involuntária. Mas você faz tudo que faz , porque quer muito, não é?