Desamores de verão
A sua história, aos seixos lhes escreveu. Sussurrava à maré baixa que o seu amor viria por si mais uma vez. Contava-lhe tudo, tropeçando nas suas palavras. Desenhava na espuma das ondas os seus corpos entrelaçados.
Ao relógio, acrescentava-lhe o dobro das horas. Aos dias, arrastavam-se-lhe os amanheceres e entardeciam-se-lhe os anoiteceres, teimosos. Ao crepúsculo, seu cúmplice, partilhava o doce crime em desejar que aquela outra alma viesse e que a completasse. Só assim desenhara a felicidade nos seus sonhos ingénuos.
Remanesciam sensações e cores de um verão abafado. O desassossego dos seus pés descalços agitava o rio, acompanhando rigorosamente a sua voz, como licor. Quando lhe fazia soar a palavra amor, bebia cada som da sua voz como a água que corre no rio.
Num efeito dormente dessa droga, nem notou que as montanhas lhe roubariam o calor por mais um ano. As montanhas, boca faminta do mundo que lançou a chuva como uma praga.
Quando a doce melodia do seu amar se apagou, levou a cabeça aos seixos, em sinal de adeus. E mergulhou naquelas águas, para nunca mais voltar.