OS CRAQUES DO CRACK!
Sendo psiquiatra e terapeuta, acreditei que deveria trabalhar com a classe estudantil em Araras-SP, procurando entender o consumo crescente do uso de drogas lícitas e ilícitas. Fazemos isto desde 1970.
Nosso trabalho atendia às convocações de Diretores de Ensino, onde promovíamos cursos para professores e palestras aos alunos sobre as consequências do uso das drogas. Víamos, entretanto, uma diminuição do interesse pelo assunto, muitas vezes permitindo e até solicitando que traficantes e usuários muito comprometidos deixassem as salas de palestras.
Em 1997 com a ajuda do COMEM local, realizamos uma pesquisa de quantificação do uso das drogas, onde 10.053 resultados foram considerados válidos e a obtenção destes resultados originou uma situação inédita em pesquisas que tais, pois instruímos oitenta e dois monitores voluntários, para nos auxiliarem no trabalho de fornecimento dos questionários e conseguimos aplicar a pesquisa em quatro dias, não dando margem aos comentários de escolas diferentes, de forma a não surgirem idéias pré-concebidas.
Nossos achados estão descritos neste site e não estavam muito diferentes dos dados encontrados pelo CONEM, em pesquisas similares, exceto pelo uso de alcoólicos, que àquela ocasião estava muito elevada, principalmente entre os adolescentes jovens.
Minha busca, entretanto, não deixava em paz minha inquietação. Eu cria como continuo crendo, que o mais importante não é o quanto de usuários, mas as causas deste uso.
Assim elaboramos uma nova pesquisa que aplicamos em bares, escolas onde fazemos bate-papos, saraus e em meio às associações que trabalham para recuperar estes usuários. Esta pesquisa pretende ser permanente, com dados sempre atualizados.
Descobrimos no contato íntimo com estes usuários, que eles sempre nos falavam "de um amigo", "de um parente" que apresentava problemas de relacionamento com o sexo oposto, como a ejaculação precoce, a impotência e o medo de falhar. Estas informações mostravam para mim o medo de responderem com franqueza que as causas do consumo de drogas estavam ligadas à insegurança e principalmente à sexual.
Nas meninas muito mais sinceras, percebemos o vaginismo (dor à penetração), a anorgasmia (falta de orgasmo), a masturbação depois do gozo masculino rápido, a prática do sexo 'como moderna ação', como forma de exibicionismo e até de execração dos maus parceiros, relatada de propósito, para fechar investidas dos 'apressadinhos", aos incapazes de dar carinho, aos exibicionistas ficarem impedidos de listar suas conquistas, pura gabolice diante dos colegas "machões".
Vimos alguns indivíduos inseguros da própria masculinidade, alguns fugindo à realidade com atitudes de exagero, quando era sabido serem introvertidos e temerosos com as meninas.
Encontramos indivíduos que se escondiam da vida de relação por serem maltratados numa educação cheia de atritos, muitos com mães incapazes de escolher um bom parceiro, outras insatisfeitas que tiveram muitos companheiros, com quantia exagerada de filhos.
Percebendo estas causas predisponentes, partimos para a criação de um curso nomeado conforme o local, as crenças, a rigidez dos contratantes, que foi chamado de "Sexo Feliz", "Sexo Responsável", "Sexo e Amor". Muitas vezes nem ministrávamos um curso, mas nos reuníamos em um Sarau, onde rir, contar casos, cantar, ler crônicas, poesias, era entremeado com questões práticas para a vida, ao amor, à vida de resultados, à troca de informações, onde demonstrávamos que a cultura adquirida nem sempre era sinal de inteligência.
Em todas as reuniões ou cursos eu sempre deixava os minutos finais para assinalar e deixar um 'carimbo' para os que usavam ou pretendiam usar drogas, de que quem o fazia estava fugindo de sua própria insegurança.
Eu me divertia muito nesta realização. Aprendia cada vez mais como lidar com as situações e decidi formar "Orientadores Sexuais", pois tinha a plena consciência de meu papel limitado, sendo um só.
Muitos universitários onde eu ia propor o curso jactavam-se de não o necessitarem, pois "eram mestres na arte do amor".
Ao contrário de tentar indispor-me a eles, elogiava-os e propunha fornecer-lhes certificados de "Orientadores Mestres", desde que me respondessem pelo menos uma de quatro perguntas. Todos se empolgavam e diziam-me: "Manda ver"!
Eu começava: "Primeira: Para que serve o hímen?". As respostas eram as mais incoerentes, sendo para ‘proteção da vagina’ e para ‘testar se uma mulher era virgem', as mais comuns. Eu respondia: "Um a zero!".
"Segunda: Qual o tamanho médio do pênis e da vagina?" Novos disparates, sempre megalomaníacos. Resposta: "Dois a zero!”.
"Terceira: Como o nariz promove a união dos casais, de forma que 'todo balaio encontre a sua tampa, com a mesma textura?’. Inúmeras respostas hilárias, algumas impublicáveis, insinuando até o nariz como produtor de prazer. Resposta: "Três a zero!"
"Quarta: Eu vou fazer uma afirmativa: todo ser humano que se julga preparado para o sexo, deve levar no bolso, na bolsa ou na carteira um preservativo, de modo a evitar a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis. Pergunto: A afirmativa está certa, errada e por quê?". As respostas eram todas: "CERTA, POIS PREVINEM CONTRA OS PROBLEMAS CITADOS". Minha réplica: "Quatro a zero! Pois bolsa, bolso e carteira são locais de proliferação de bactérias, que podem transmitir vulvo-vaginites ou infecções no pênis, ou uretra e na hora H, ninguém vai se lembrar de lavar ou desinfetar o invólucro do preservativo. Vamos preencher as folhas de adesão ao curso, para sabermos as outras respostas e diversas informações úteis?"
A adesão era total!
Ensino a todos estudantes e profissionais que me procuram para ministrar a formação de "Orientadores Sexuais", exigindo porém, o comprometimento não só com a orientação de casais que possam ajudar, como a ministrarem cursos a outros interessados, seja em "Sexo Responsável", ou em formação de "Orientadores Sexuais".
Estou convencido de que a constatação de um diagnóstico, só se faz depois de estudada a causa deste problema.
Vejo na Folha de São Paulo de hoje (23/05/2010) que não só a renovação editorial e gráfica está presente. Confirmo minha assertiva ao ler o artigo valioso de Gilberto Dimenstein, sobre "Tratamento contra o crack?".
Contratem quantos profissionais com a sobra dos impostos repartidos permitir. Não estarão sendo corretos em alcançar a compreensão do fator causa.
“Não adianta dar o peixe, é preciso saber pescar”, já dizia o meu tataravô. Conheço muitas pessoas empregadas sem registro, trabalhando em outras atividades, e ainda recebem as ajudas eleitoreiras, quando deviam ser preparadas para educar, participar da vida dos filhos, que abandonados, chegam a pedir sua parte das bolsas, para pagar o uso de drogas, de bailes com alto teor alcoólico e de pancadas, para provarem sua condição de ‘macho-chu’.
Tenho uma convicção: quando estiver partindo para o ‘sempre’, estarei triste, percebendo o quanto ainda poderia ser útil, mas ao olhar para traz, verei que não precisei roubar, ter cargos eletivos enriquecedores, não pretendi ser mandado como ‘laranja’ ao banco mundial ou para presidente da onu (em minúsculas mesmo), pois fiz um pouco do que a humanidade precisa, conversei com professoras instruindo-as a conquistar seus alunos, a orientar os pais a tratar de seus rebentos hiperativos, seja por intoxicação com organo-fosforados, seja por traumas de parto, desmistifiquei a crença de ‘doentes mentais’, apenas por procurarem uma ajuda psiquiátrica, nunca torci em eleições como se torce por um time de futebol, bem como aprendi que políticos, infelizmente, são os mesmos em todos lugares do mundo, com raríssimas e louváveis exceções.
Parabéns à Folha de São Paulo, por abrir suas portas às pessoas como Dimenstein, Takahashi e outros que sabem o quanto precisam fazer.
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Márcio Funghi de Salles Barbosa
drmarcioconsigo@uol.com.br