Filha De Outros Pais

Por algumas centenas de vezes já desejei pertencer a outra família. E quem não? Acredito que sentir-se uma estranha no ninho não é exclusividade minha. Já quis ser filha de outros pais, já quis ter mais irmãos, já quis não ter irmãos e já quis não ter existido. Sei que deve haver algum motivo para estarmos aqui. Na escola aprendi que o ciclo da vida resume-se a nascer, crescer, reproduzir-se e morrer. Entre o nascimento e a morte uma vida muitas vezes dispensável. Ontem, cristãos bateram à porta, pediram cinco minutos de atenção, que multiplicaram-se por seis, transformando-se na meia hora mais longa da minha vida. Nada contra o trabalho que fazem, apenas não me toca a mensagem da possibilidade de uma vida após essa vida, uma melhor, mais justa, sem dor ou sofrimento. Não consigo acreditar que isso é possível. Não depois de conhecer um pouco do seu pior lado. Uma já me basta, não quero mesmo repetir a experiência. Se tivesse a espiritualidade desenvolvida pensaria que estou pagando por erros do passado. Nesse caso, devo ter sido a pior pessoa do mundo, talvez uma das que negou a Cristo, ou mesmo uma nobre escravocrata cruel e sanguinária. Devo ter lições a aprender e os que me acompanham agora podem estar comigo nessa jornada de autoconhecimento por uma razão maior que simplesmente genética, ou coincidência. Eles podem não ser a família que escolhi, mas devem ser a família de que preciso.