Dedo no gatilho
Enquanto as ordens eram para o silêncio predominar e como em uma ditadura perversa, nada poderia ser feito, nem mesmo o olhar poderia ser direcionado ao que não fosse permitido. Enquanto eu me tornava mais uma pessoa a passar pela experiência de ver a vida sendo projetada diante dos olhos, por um segundo, apenas um, me veio à cabeça pensar do lado oposto, o que ele estava sentindo? E logo senti uma calma tão grande, algo inexplicável, como um torpor, ou um choque sem dor, imaginar que ali também havia uma pessoa com sentimentos e medos, me fez perceber que aquilo não era o fim, era apenas uma chance de utilizar o principio da alteridade, me colocando no lugar dele. Era apenas um ser humano que podia estar com perturbações emocionais, financeiras ou ambas, que o levassem a praticar tal ato, ele poderia estar com mais medo do que eu, aquele pano cobrindo o rosto poderia estar sufocando-o, se ele sofresse de claustrofobia então, estaria mais perturbado ainda, quem sabe o estivesse usando para disfarçar, ou tornar-se alheio ao que estava fazendo, como se estivesse vendo um filme, como se aquilo o tornasse imune a sua própria ação, como se cobrindo seu rosto estivesse transferindo aquela ação à outra pessoa, talvez um alter-ego, suas mãos poderiam estar suadas, segurando aquele objeto de ferro, que provavelmente ele nem sabia como usar, pois impulsionado pela necessidade, apenas tornaria aquela situação real se disparasse, o que de fato ele não pretendia fazer, comecei a sentir pena, e vontade de ajuda-lo, pois todos merecem uma segunda chance, ele podia ser uma pessoa boa, que não teve boas oportunidades na vida. Juro que por um segundo isso tudo passou em minha mente, mas após levar meus bens materiais, e caminhar uns dois ou três passos na direção oposta, o individuo encapuzado e munido de um armamento que provavelmente não fora criado para aquela finalidade, apenas se virou, mirou, e disparou... O dedo no gatilho não tremeu, nem por um momento, a mão não balançou, ele nem mesmo hesitou. Ele poderia ter ido embora, já tinha o que precisava, mas algo o fez voltar, agora me pergunto: “Por quê?”. Índole ou criação, não importa, pois quando senti o projétil entrando em meu corpo, fui atingido por um choque de realidade, uma realidade assustadora porem verdadeira. Hoje me faço a seguinte pergunta, que podem usar em seus julgamentos futuros também, devo ainda prosseguir acreditando, que no fundo todos tem algo de bom? Não espero que a resposta venha pela segunda vez.