O silêncio da madrugada
Peguei-me a observar a cidade no seu sono e a madrugada no seu silêncio. Descobri, não tanto para minha surpresa, que a quietude e a falta de sons da alta noite revelam mais do que a euforia e o barulho do dia, creio neste momento que tal fato ocorre pois o que nos é revelado na realidade já nos é conhecido, algo que apenas estava escondido no fundo do que alguns chamariam de alma, uma alma quieta e silenciosa, indiferente aos apelos por movimentos do dia mas aberta e correspondente a imutabilidade e o silêncio da madrugada. Ao olhar para tudo percebemos a nossa verdadeira realidade, sempre somos motivados a pensar que fazemos a diferença, que deixamos a nossa marca mas a madrugada serena nos prova o contrário. Enquanto olhamos percebemos que somos apenas mais um, um que resolveu parar para olhar, e vemos que não há nenhum respeito por tal ato, a madrugada continua com seu silêncio como se não estivéssemos lhe admirando, as pessoas nas suas casas nem nos notam a observá-las, a cidade, assim como tudo o mais, nos é indiferente. Talvez seja esse o motivo, o porque somos tão poucos a parar para notar, pois a madrugada se comunica com a nossa alma, a alma que tantos procuram omitir e esconder, seja na movimentação da rotina do dia-a-dia ou seja na euforia das atividades noturnas. Enquanto tantos procuram negar ou fugir dessa alma, outros apenas a aceitam e param para observar, não como atores indiferentes a peça mas como o público que busca compreensão e significado na confusão e no emanharado que pouco se importa se está a ser entendido por aqueles que o assistem. O niilismo da peça é sufocante para o simples espectador, este busca então ser ator, na esperança que seus atos tragam um significado para o que está a ocorrer. Mas o simples espectador não percebe que todos os seus atos só trazem significado para a visão que este tem do próprio assento, para os outros os seus atos apenas acrescentam mais um pouco no emaranhado da peça, mas isto lhe é indiferente, pois, como o simples espectador que é, ou não lhe é do seu conhecimento a visão do resto do público ou ele finge que não é, já que a admissão da visão de outros espectadores apenas lhe traria de volta o niilismo e o emaranhado da peça, estas duas abominações contra as quais ele lutou para negar. Mas eu me indago, deste ponto de vista quem seriam os espectadores que aceitam o niilismo? Seriam os corajosos que aceitam a verdade que muitos negam? Ou seriam os covardes que desistiram ao ver seus atos na busca de um significado frustados? Talvez eu tenha sido sufocado pelo niilismo da peça também e assim voltado atrás, mas acredito que talvez a busca por um significado seja o próprio significado. O que seria da peça sem os seus atores? E o que seria destes sem sua preciosa busca? Enquanto participam da peça, vivendo, sorrindo, chorando, amando, sofrendo, pensando ou agindo, eles a mantém viva, tanto para si quanto para o resto do público, e eu pergunto: qual o maior significado para a vida do que continuar vivendo?