Essa é a história de uma prisão
Ou seria de uma prisioneira?
Não algo físico. Nada dentro da realidade dos objetos sólidos. Uma prisão que também não é mental ou em sonhos perturbados. É o limite que algo ou alguém está inserido. Além do físico e do imaterial. Há ordem no caos, para que esse exista. É disso que estou falando!
Existe um “destino” que está entre os dois mundos, não é predeterminado como o conceito tradicional. Está em movimento e acaba com perspectivas e boas ideias na mesma intensidade que cria.
Estamos todos lá nessa prisão. Não há muros ou grades, mas também não podemos sair. E o “nunca” realmente existe, assim como o “sempre”. E algo que se repete, pode ser para sempre ou nunca acontecer. Entende o conceito?
Agora vou contar da minha prisão particular. Todas são únicas de um indivíduo, e nesse caso o “destino” não é nada simpático com a vida que parasita.
Perspectiva é o ponto de vista de um ser vivo, ou será que aceitamos o de uma pedra. Em um cálculo, podemos pensar que o ponto X é o coqueiro do outro lado do lago e desenhar um triângulo com base na margem. Mas e a perspectiva dos peixes? Será que não podemos levar em conta.
Eu sou o peixe, só que sem nadadeiras, sendo arrastado pelo rio e sem poder informar que o triângulo tem que ter um ângulo reto com a margem. Quem liga para a opinião de um peixe que nem escolhe a direção que é arrastado?
Logo acho um jeito de agarrar uma raiz nas margens do rio e por um esforço que quase me mata saio da água e deito na margem. Mas daí vem outro problema, não respiro fora da água. O jeito é esperar o inevitável.
Algum tempo incontável se passa e outro peixe sem nadadeiras resolve saltar para fora do rio, caindo do meu lado. Nos cumprimentamos e falamos sobre o tempo. E esperamos o inevitável.
Ainda sufocando em um tempo que não pode ser mensurado, mais peixes aparecem para me fazer companhia. A conversa fica animada mesmo com a falta de ar ou excesso, não sei dizer.
Cai uma chuva, das fortes. O rio sobe e todos nós somos arrastados. Formamos um grupo por alguns instantes e logo nos separamos nas diferentes direções que o rio se divide e por isso e aquilo de diferente que temos uns dos outros, acabamos alcançando distâncias para sempre intransponíveis.
Dramático elevado na quinta potência. Vou parar com analogias sobre a vida e falar de coisas concretas e os bastidores ficam subentendidos.
Sexta-feira – A nova perspectiva
Qual o ponto de vista de um fim de dia de trabalho? Do dia de trabalho, nenhum, imagino. Talvez algo como: “Não vão embora trabalhadores assalariados, seu descanso é meu fim”. Quero dizer da perspectiva do trabalhador, pessoa física, declarando ou não os impostos. Deve ser algo como: “Cerveja, cerveja, cerveja, cervejaaaa!”. Ou talvez um suspiro de cansaço ou decepção, um olhar languido. Ou depressão porque voltar pra casa é bem pior.
Vamos supor que a sexta-feira não acabe nunca. Todos passamos por isso, a impressão da eternidade no inferno... digo, trabalho. Imagine a ideia de não terminar nunca. Você trabalharia para sempre, correto? Seria uma constante na sua vida que não teria mais mudanças além das que são possíveis no ambiente corporativo. Melhor ainda se fosse um trabalho que lhe desse realização pessoal e tudo o mais, que fica bem além da minha realidade. Mas não seria tão ruim para você. Para mim ser o peixe e morrer nas margens do rio parece muito melhor.
Vamos mudar a perspectiva. A sexta-feira acaba e é fim de semana para sempre. Agora melhorou. Uma folga eterna. Mas sem dinheiro, não seria uma boa! Seria o rio sempre te levando. Ou seria o inferno para você, como sufocar na margem? Não importa. Estou contando da minha vida agora. Preste atenção!
Férias contínuas com remuneração. Melhor nem pedir isso. Posso acabar sem as pernas ou com uma doença incurável e debilitante. Mas isso não é o caso. O que importa é a alternância. Uma coisa existindo por causa de outra, ou, pelo menos, seu significado.
Qual a minha alternância da limitação que chamamos de existência? Trabalho, ir para casa, férias, volta ao trabalho, depressão, casa, trabalho, férias... Sempre um dia depois de outro e um objetivo para cada momento, deixando o tempo passar. Já que ele é o próprio “destino”, aquele que falei no início. O inevitável tempo que passa. Mas e se não passasse?
Voltamos ao rio. Agora sou um peixe imortal e invulnerável. Logo não preciso respirar ou comer ou qualquer coisa para manter meu corpo físico. Só preciso de entretenimento. Achado o problema da questão. Ainda não entendeu? Não tenho nadadeiras e provavelmente estou sem boca, pois perdeu sua função. Agora o rio me leva, daqui a pouco a cheia me manda pra margem, depois me carrega de volta. Só observo. Ainda tenho olhos. Está ai meu passatempo, literalmente observo o tempo passar.
Alguém está se perguntando da tal prisão que falei. Não há problema em pensar mais devagar, ninguém tem obrigação de entender na hora. E também não estou sendo clara.
A prisão – alternância e observação
Está a minha vida na sua alternância. Algo independente até das vontades que tenha ou mudanças que supostamente me empenho em fazer. Ela segue sempre em frente, o que é óbvio, não sou mais o peixe eterno, apenas humana. Seguindo o caminho mortal e apodrecendo por dentro como todos os seres vivos, menos os tardígrados.
E nesse caminho linear, me encontro de fora, observando. Consigo um distanciamento e olho a minha vida passando. Não dá para interromper esse “destino”, sem finalizá-lo. Essa é a prisão.
Mal consigo repensar o que passou. Estou na correnteza do rio e as vezes na margem observando os outros passarem, encontrando alguém que acabou por ali, falando do tempo.
Posso considerar algo inevitável ruim? Ou inerente? Seria impossível sair disso? Fazer o tempo parar um pouco para que possa pensar no que me aconteceu, planejar o futuro com mais calma. Não é possível. Enquanto paro para fazer planos, o parasita do tempo já me roubou alguns momentos, dias ou até anos.
Então chego ao final. Não da minha vida, ainda não. Mas do pensamento, do que tento refletir através de palavras. Viver intensamente todos os instantes é impossível, para mim pelo menos, muito cansativo. Alguns instantes fico só sem ar na margem sufocando e esperando a água subir. Outros tenho nadadeiras e consigo sim ir mais pra lá ou desviar de uma pedra. Essa é novidade. Até agora não tinha como me mover.
A questão é como devo me sentir sobre isso? Feliz, resignada, com raiva, revoltada? Concluo que só posso seguir da única forma que é possível, alternando. Não dá para mudar a essência da existência. Mas posso falar sobre ela.
Agradeço a paciência do leitor.
E se realmente quiser comentar, comente.
Alda M. J. Duarte