Ser chuva
Agora lá fora muita chuva, e toda essa água parece querer ensurdecer a noite. Quis ver o céu mas não escapava sequer um fragmento do azul.
Não há vento. Só água na escuridão que deita sobre os olhos como espinhos…
Desce espinha abaixo, dói como mergulho mau dado. Parece mais um balé de agulhas.
E não adianta, nada que eu fizesse aquela voz calaria
E nada estancaria o sangue daquela ferida antiga e vazia
Era mais fácil entrar na dança das agulhas e quebrar junto o silêncio.
Ser peito aberto, sem vento, sem chão, sem firmamento
Ser do avesso invertendo o sentido
Ser chuva
Ser o pingo dolorido.