O meio.

"It doesn't matter where we are

I lay down low, for all I am

Is all we'll be"

-Hourglass, Lifehouse.

Então, parada no tempo, observo o mundo movendo-se velozmente, enquanto continuo em câmera lenta. Intacta, respirando com lentidão. Hoje, a vida passa por mim como uma batida frenética que não consigo dançar, pois meus pés ainda não esqueceram a última coreografia. Era uma canção lenta, intensa e suave, como uma declaração de amor.

Sento-me na ponta da cadeira e espero que a música desacelere para que eu volte à pista de dança. Fecho os olhos por um fugaz minuto. O passado me puxa, tentando me fazer mergulhar nesse oceano de eternas lembranças mal-resolvidas, de frases pela metade e dores retidas no fundo do peito. Há seis meses tenho pensado em como a vida é estranha e inevitável. Acho que a razão desse estranhamento dá-se ao fato óbvio de que a vida é uma ampulheta presa numa mesa de aço. Presa com força, inexorável, impedida de virar. Uma ampulheta cuja areia só desce, desce, desce.

E, como numa epifania, percebo que sempre estou onde não deveria estar. Caminho nessa linha tênue entre relembrar o momento em que eu estava no início da ampulheta e o instante doloroso em que estou no fundo. Abstendo-me do todo o clichê, percebo-me em tempos diferentes ao que eu deveria estar. Constantemente visito o passado e planejo o futuro. Incansavelmente relembro histórias e erros, com a ânsia absurda de não cometê-los no futuro que ainda nem existe. E nem sei se existirá. Descubro, no finito espaço entre o que fui e o que serei, que jamais vivi o hoje, o agora, o presente. Estive presente lá atrás e adiante, nunca aqui. Sempre retendo recordações, absorvendo arrependimento, sempre acostumada a contar histórias, coisas que passaram. Sempre vislumbrando o horizonte distante, tolamente tentando imaginar-me em tantas coisas, lugares e sentimentos que estão por vir.

E, assim, esquecendo-me de que, entre o início e o final da ampulheta, há o meio. Há a queda. A beleza como, inevitavelmente, a areia desliza.

Há a progressão, a ida. A beleza sempre esteve no caminho, na estrada, na escalada. A beleza não estar em partir ou chegar, mas em ir.

Então, eu vou.

Vou indo, sem olhar para trás, tampouco vislumbrar o horizonte. Vou indo com os olhos voltados para os lados, para colher tudo o que tiver pelo caminho. Para aprender e amar. Perdi muito tempo e muitas pessoas enquanto olhava para frente.

Agora, para me manter no presente, só ando olhando para os lados.

É no meio da ampulheta que a vida acontece.

Ana Luisa Ricardo
Enviado por Ana Luisa Ricardo em 04/12/2015
Reeditado em 04/12/2015
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