A Muralha
Tijolos empilhados até onde a vista não alcança, tapando todo Sol que poderia brilhar tão forte quanto aquele olhar tocando a face da serenidade. Tijolos tão bem calçados que impedem qualquer chance de respirar levemente. Muros altos que comandam a forma que você consegue ver o mundo. Escondendo sua alma da vida, escondendo a vida da sua alma. Tijolos que foram moldados do barro mais escuro, mais sombrio, só pra não deixar passar nem o misero raio de esperança, desalojado na pedra fria que tende a romper a qualquer momento. Coberto de lama e pecado, inicia a marcha com um novo compasso. Coberto de ruína e desânimo ouve a nova batida seca percorrer seu corpo, como se fosse algo habitual deixa tudo fluir, sangue e suor à fora. Sem ver nada o caminho é prosseguido. Sem ver nada o trilho é seguido, sem esperança até o fim. Palavras pré-moldadas sussurradas na audição com medo e desgosto, pressionando o botão liga/desliga como fosse um brinquedo barato. Como algo reciclado, tancado a sete chaves está o livre arbítrio, esperando a hora da libertação. Esperando a rocha se romper, secar e definhar. Na espreita do melhor momento para ter o domínio novamente. Paciência e piedade, dois fatos arrogantes e debochados, dois fardos nojentos e amaldiçoados à qualquer olho nu. Tijolos que compõem a muralha, feitos de cicatrizes e fome. Feitos para uso das presas mais afiadas, que abrem artérias com lâminas sem coração. Sem perdão ou tempo para o próprio perdão, tijolo após tijolo está sendo acrescentado à muralha, mas o fim vem antes de completar a obra. Não seria esse o melhor destino do poeta?