Passas ao rum

Quando eu era criança tinha meus gostos e minhas crenças bem delimitadas.

Minha cor favorita era verde;

Minha brincadeira favorita era pique-esconde;

Meu boneca favorita se chamava Dadá;

Minha melhor amiga era a Sheila;

Esperança era um bichinho verde que pulava na gente;

Patinar era meu esporte preferido;

Eu não gostava de filmes de terror;

nem de jiló ou cebola cortada grande na comida.

Tinha uma luz que morava no céu e cuidava da gente com um monte anjos;

Todo mundo tinha seu próprio anjo;

Meu sorvete preferido era passas ao rum;

Meus pais sempre estariam lá pra me proteger;

Eu queria ser embaixadora da ONU;

Eu me casaria e teria dois filhos;

Eu teria dinheiro para ter uma casa com uma arvore bem grande,

Eu teria uma casa de arvore ;

...........

Então a vida aconteceu e transformou minhas crenças e gostos infantis numa caixa fechada dentro de mim.

Eu não gosto mais de bonecas;

Eu nem sei se tenho uma melhor amiga;

Meu esporte preferido é ver a chuva caindo na janela;

Não tem luz no céu e nem anjos pra tomar conta de ninguém.todo mundo se vira sozinho;

Eu não quero mais filhos;

....Eu nem sei se gosto de sorvete de passas ao rum hoje em dia.

quando passo nas geladeiras do mercado e vejo esse sabor eu tenho medo de experimentar de novo. porque ainda tenho aquele sabor infantil guardado na língua e não quero arruinar isso.não quero mover a caixa para uma parte ainda mais funda do meu ser,onde não seja possível nunca mais alcança-la. De todas as crenças só ficou a do bichinho verde mesmo.

Keila Machado
Enviado por Keila Machado em 30/11/2015
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