Passas ao rum
Quando eu era criança tinha meus gostos e minhas crenças bem delimitadas.
Minha cor favorita era verde;
Minha brincadeira favorita era pique-esconde;
Meu boneca favorita se chamava Dadá;
Minha melhor amiga era a Sheila;
Esperança era um bichinho verde que pulava na gente;
Patinar era meu esporte preferido;
Eu não gostava de filmes de terror;
nem de jiló ou cebola cortada grande na comida.
Tinha uma luz que morava no céu e cuidava da gente com um monte anjos;
Todo mundo tinha seu próprio anjo;
Meu sorvete preferido era passas ao rum;
Meus pais sempre estariam lá pra me proteger;
Eu queria ser embaixadora da ONU;
Eu me casaria e teria dois filhos;
Eu teria dinheiro para ter uma casa com uma arvore bem grande,
Eu teria uma casa de arvore ;
...........
Então a vida aconteceu e transformou minhas crenças e gostos infantis numa caixa fechada dentro de mim.
Eu não gosto mais de bonecas;
Eu nem sei se tenho uma melhor amiga;
Meu esporte preferido é ver a chuva caindo na janela;
Não tem luz no céu e nem anjos pra tomar conta de ninguém.todo mundo se vira sozinho;
Eu não quero mais filhos;
....Eu nem sei se gosto de sorvete de passas ao rum hoje em dia.
quando passo nas geladeiras do mercado e vejo esse sabor eu tenho medo de experimentar de novo. porque ainda tenho aquele sabor infantil guardado na língua e não quero arruinar isso.não quero mover a caixa para uma parte ainda mais funda do meu ser,onde não seja possível nunca mais alcança-la. De todas as crenças só ficou a do bichinho verde mesmo.