Tocando (n)o futuro

“Encarar o futuro”. Ouvi essa frase num filme. Como um verbo pode comportar tanto peso assim? O que torna um substantivo algo tão assustador? Do passado, nada mais do que lembranças, algumas boas, outras ruins. O presente é esse instante que arrebata a percepção mais autêntica do tempo e do espaço que nos circunda. O agora do qual não podemos fugir. Mas, o futuro? O futuro é esta estrada cheia de curvas, declives e depressões. Características que só demonstram pedaços de um restante ainda inacabado. Dificilmente se vê alguma linha reta. E quando se tem a sensação de acreditar que se trata de uma estrada plana e isenta de ondulações, tudo não passa de uma ilusão confortável que durará por alguns momentos e que logo se dissipará. Porque no geral as coisas são bem inconstantes. Se hoje plantamos uma árvore, amanhã poderá haver mais desmatamento. Se fazemos filhos, alguma tragédia pode nos tirar as suas vidas, antes mesmo de que possamos gozar de bons momentos juntos. Se construímos casas e prédios, terremotos podem fazê-los virem abaixo em muito pouco tempo. Tudo é um plano, mas que a bem da razão não há nada de tão plano assim. Diante do irrefreável da vida, o que não fazer se não fixar a mente no instante presente e buscar fazer o que de melhor sabemos, tentando aliar ao que mais queremos? Quiçá, essa seja a saída mais acertada para manter a ideia do futuro. Algo que virá, que dará continuidade àquilo que começamos a fazer no agora. Por isso, prefiro pensar na existência de um presente ampliado. Acho que ainda seja melhor do que um futuro que não há. Estamos presos, pela simples condição natural de cativos do tempo, às amarras da incessante transição das coisas, dos sentimentos, das reflexões. Enquanto escrevo, agora mesmo, o relógio me avisa, com o leve barulhinho do ponteiro de milésimo, que a vida não está parando para me ver escrever. Nesse ponto Cazuza estava corretíssimo, “o tempo não para”. Que coisa louca! Já estou no futuro. O futuro comparado àquele momento logo ali atrás, quando titubeei se escreveria mais algum rabisco esta noite. Em seguida, o futuro irá chegar e esse agora ficará para trás. O simples fato de escrever essa sentença, da construção desta narrativa em que se encadeia palavras, sentidos, intenções, pensamentos, já demonstra que o tempo passou, que está passando, que continuará a passar. A distância entre a primeira letra deste texto e o ponto final de logo mais se medirá em minutos. É por este motivo que as coisas vão e que nós ficamos. Estamos aqui para continuar fazendo, de algum modo, esse tempo continuar a trabalhar.

Helder S Rocha
Enviado por Helder S Rocha em 18/11/2015
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