O som da risada dela
Houve um tempo em que eu andava muito entediado e desanimado por aí. No caminho pra escola eu subia no meio-fio e me equilibrava enquanto caminhava ao lado da estrada onde passavam ônibus e caminhões. Trânsito constante. A noção de perigo tornava-se pequena, se comparada à sensação de prisão.
Agora, nesta casa fechada, a sensação é de liberdade. Isso porque eu posso abrir a porta e sair. Está tudo sob controle. Mas, quando é a alma que está aprisionada, somente abrir a porta de casa não ajuda.
Falo de meu passado com indiferença. Hoje são apenas fatos a serem contados, porém, histórias menos interessantes do que as estórias de Carochinha que contam por aí.
Ouço folk, rap, rock, reggae, mas o que gosto mesmo de ouvir é o som da risada dela. Isso eu não tinha em meu passado. Aliás, não da forma que tenho hoje. Se eu tivesse o som da risada dela em meus dias, com certeza seria diferente e eu me sentiria livre e flutuante.
Já não ando mais sobre meio-fio pra distrair a mente. Já não deito sobre meus lamentos e adormeço. Apesar de ainda ver a faca com a qual já fui apunhalado e as grades que me impediram de correr, não me mutilo, não me privo. Ouço o som da risada dela e me vejo feliz.
De tardezinha é início de noite e início de noite é perto da hora que ela sai do trabalho e a hora em que ela sai do trabalho é a hora que eu espero que passe pra que ela logo logo esteja aqui presente e me fazendo sorrir, sorrindo.