Pequena dose de imaginação

Eu percebi, pelo menos acho que notei algo diferente. Era um blues. Um ritimo frenético e excitante. Foi assim que eu me viciei na droga que você é. Bebidas baratas, fumaça ao meu redor, uma densa neblina de overdose.

Com o tempo você foi tomando conta dos meus sonhos, eu o escravo amarrado no tronco, pronto, esperando, seu suor, sua força, sua chibatada, mas você ia embora, me abandona ali cheio de correntes. Você nunca se sacia de me torturar, de deixar a espera, corrói, meta, meta seu ardor, solte sua fúria no meu corpo, despeje-me a dor que sinto.

O chocalho e berimbau são ensurdecedores, cegam em meio aquele ambiente a ferros que berram, a pernas, danças, corpos e o chão que treme, uma súplica. Meu saco de carne pendurado, atônito e sã. Venha até a mim minha droga, minha ama, meu amor, venha, salve-me do furação, do delírio da febre alta que me encharca por fora.

E você vem, com o chicote e espingarda, cada bala disparada um jorro de sangue. O ritimo do chocalho saem do compasso. O berimbau se estraçalha e o último negro desaba. Só havia eu e você, ambos presos a mais forte das correntes da senzala, presos pelo olhar, de choque, de desejo, de loucura, de doença, de delírio... Acordei.

Voltei a minha sanidade numa velha estação, mas não havia trem, nem trilhos só silêncio da madrugada e vinho.

Vou para a casa, os olhos focados nas estrelas, mapas. Abro a porta, subo a escada, me olho no espelho uma pele branca, pálida, cheia marcas e espinhas, observo meu quarto desarrumado e percebo meus olhos cansados. Deito na cama e fecho meus olhos, não quero adormecer, mas a bebida me obriga, e você, minha ama, me invade novamente.

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Nota qualquer, mês desconhecido, 2012