Trans

25 de julho. São 09:45 da manhã. Maria sente dores, típicas de um parto. É a segunda vez que as enfrenta e parecem diferentes, mais brandas, o que a deixa feliz e talvez seja um sinal. Na esperança de ser agraciada com uma linda princesinha e então formar um casal, recusou-se a saber o sexo do bebê. Compartilha o leito com mais duas, essas, mães de primeira viagem, ainda assustadas, na opinião de Maria, apenas exageradas. Enfermeiras entram e saem, atendem impacientemente suas pacientes. Maria está tranquila. O médico entra, sem cerimônia enfia-lhe os dedos.

_ Esta na sua hora!

Sala de parto. Dores aumentam. Nada de anestesia. Pernas abertas.

_ Força!

Suor.

_ Mais força. Está vindo!

_ Um pouco mais!

Muito suor. Muita força.

_ Está quase. Isso!

_ Só mais um pouco!

Maria tem pressa, tem ânsia. Faz o que lhe pedem, não reclama.

Alívio. Choro de bebê. Expectativa.

_ É um garotão!

Certa tristeza. Um pouco de decepção.

_ E totalmente saudável!

Conformismo. Talvez alegria.

Maria não deixou a maternidade usando em seu bebê a linda manta rosa que foi cuidadosamente escolhida para a ocasião. Alguém providenciou às pressas qualquer coisa verde. Era um menino, a julgar pela sua genitália, e assim deveria ser criado. Na volta pra casa, o silêncio foi duas vezes ameaçado por um quase choro, imediatamente interrompido com um seio farto, a jorrar leite. Desce do carro. Porta se abre. Entra em casa. Porta se fecha. Entra no seu mundo. E nele também se fecha. Um mundo solitário que a permite apenas cuidar de um pai doente, um filho de quatro anos, as dores de um amor acabado e a mais nova integrante da família. Era uma menina, só não tinha como ela saber.