Ainda Falta Coragem

Sinto que não tenho tempo ou o tempo que penso ter não mais me interessa. Apanhar da vida cansa, assim como esperar também cansa. Mais do que qualquer esforço físico, forçar a mente em busca de equilíbrio é desgastante. Cheguei ao limite, o vazio não foi preenchido, os objetivos não foram alcançados, a vida é sem sentido, sou invisível, dramática também, mas não há exagero no que digo, apenas tristes constatações. Não tem jeito, olho pra frente e não vejo nada diferente do que vejo agora, talvez essa mudança dependesse apenas de mim, mas não veio, não virá e mesmo que viesse, viria tarde. Não possuo vocação para viver, aptidão para existir. Devo sofrer de algum mal, o que acomete pessoas que vieram ao mundo sem o gene da coragem. Poderia tê-lo desenvolvido, muitos o fazem. Admito, sou covarde. Fui covarde aos quinze, ao tentar cortar os pulsos com a gilete enferrujada da minha mãe. Covarde aos dezessete, quando pensei ser fácil acertar a jugular com a faca grande da cozinha, ao primeiro sinal de dor, recuei. Um pouco mais covarde aos dezenove, bebendo um copo com água sanitária, nada senti. E profundamente covarde aos vinte e quatro, quando pensei em veneno de rato como a melhor opção para uma partida rápida e pouco dolorosa. Planejei cada detalhe, estava só em casa, escrevi a tradicional carta de despedida, tranquilizei a todos, disse que estaria bem, pedi que não sofressem - como se fosse possível - e de uma só vez ingeri todo o pacote de anticoagulante. Para beber, água e lágrimas. No mesmo instante o pavor tomou conta, não sei até hoje se foi arrependimento ou medo das reações, deitei, desejei ardentemente que o sono viesse e que a morte me encontrasse naquele estado, assim nem teria trabalho, apenas me arrebataria com sua foice, sem resistência. Nenhum sinal de palpitações, suor frio, respiração ofegante ou dores abdominais. Dormi. Acordei. E o vale dos suicidas, do qual ouvia falar, parecia bastante com o meu quarto, literalmente me toquei, queria sentir se ainda era carne e osso. Levantei-me, olhei para a cama, quem sabe o espírito conseguiria ver o corpo, já sem vida, esperando que o descobrissem, estava vazia, eu estava de pé, tinha pulso, respiração e calor. De certa forma morri, para mim, para a vida e não há nada mais triste que uma sobrevida, contentando-se com o pouco que lhe é oferecido, aceitando o que não se merece, interpretando uma personagem sem nenhuma verdade. Finjo felicidade, finjo sorrisos, finjo que tenho uma história, mas que é escrita numa espécie de papel que se autoapaga, resultando numa tentativa de construir, sem qualquer lembrança guardada.