UM PASSO PARA O NIRVANA

UM PASSO PARA O NIRVANA

Andava macambúzio havia dias. Não estava alegre nem triste, um tédio invadia sua alma. Sentou em um banco da praia e ali ficou olhando o mar, o vai e vem das ondas. Não via muito graça naquilo, mas também não conseguia escolher coisa melhor para fazer. Lembrou que a meditação começava por um distanciamento do mundo ao redor, deixar a mente sem pensar, os ouvidos sem escutar e ai por diante. E iniciou uma tentativa de meditação, sem saber aonde aquilo iria lhe levar. O vai e vem das ondas, a vontade de sair de si mesmo e esquecer seus problemas contribuiu para progredir e, aos poucos, entrar em sintonia com outro nível de consciência. De repente, teve a nítida sensação de entrar em um mundo novo, atravessar um portal, e sua visão clareou. Agora a percepção dos problemas era mais clara, via as situações de sua vida de modo mais amplo, com suas causas e efeitos bem definidos. Com a percepção aguçada, iniciou uma espécie de navegação, mentalizando e revendo as situações que o tinham conduzido ao estado em que se encontrava. O passo seguinte seria escolher soluções e decidir o que fazer para dar um tempêro em sua existência. Mas a mente, essa indomável, não mostrava um caminho que lhe agradasse e, quando parecia estar na eminência de tudo se resolver, seus pensamentos ficavam nebulosos e tudo voltava a estaca zero. Em meio ao universo interno, do nada irrompiam problemas do cotidiano: contas não pagas, brigas com a mulher , filhos com problemas, descontentamento com o trabalho, amores não resolvidos. A esse conjunto de problemas chamava de suas “mazelas humanas” que, em maior ou menor intensidade, todos temos. E voltava a estaca zero, com os nervos à flor da pele, irritado, como se batesse em muro intransponível. Agora, já havia percorrido seguidas vezes a sequência de mentalizações, na tentativa de chegar a um resultado diferente das anteriores e, para sua decepção, nada acontecia. Sempre ocorria a névoa em seus pensamentos e não conseguia enxergar além. Voltava aos problemas do dia a dia.

Quase não percebeu que, em uma dessas tentativas, visualizou ele próprio sentado naquele banco, como se fosse um outro eu, com a diferença que uma sensação de bem estar invadia todo o seu ser e conseguia entender a si mesmo como sendo o resultado de toda sua estória de vida. Via desenrolar diante de sí a criança que havia sido, suas memórias de juventude, sua vida adulta desde os primeiros passos: formatura, casamento, trabalho, amizades, erros, acertos, lazer, viagens, frustações, alegrias, amores contidos. E seguia pela maturidade, profissional e pessoal, a velhice de seus pais, de seus sogros, adolescência dos filhos ( com os mesmos problemas que ele havia tido). E chegava no momento atual: seus pais e sogros já não estavam mais nesse plano, os filhos casados, três netos, a velhice chegando. Olhava toda a sua vida compactada em uns poucos instantes e, num diálogo consigo mesmo, a inevitável pergunta: na “Para quê tudo isso?”. Se viu nos dois extremos da vida: como bêbê e como o envlhescente que era no momento atual. Só então pode comparar e perceber o quanto havia ganho e crescido como ser, como espírito. Embora não soubesse o que viria a seguir, e muito menos o que aconteceu com seus entes queridos, sentiu a força do ir e vir da existência humana, da constante renovação da espécie. Como as ondas. Entendeu que havia cumprido quase todo o seu papel embora faltasse muita coisa a fazer. A sensação de plenitude se instalou definitivamente em todo o seu ser quando convenceu-se de que havia valido a pena. Voltou a se sentir um só, como se reencarnasse por uma segunda vez. Levantou-se do banco, iniciou uma caminhada, olhando as flores do jardim da praia, ao fundo barulhos de sereshumanos, cada qual com suas “mazelas”, latidos de cães, passarinhos pousados nos fios.”A vida pode não ser bela, mas é maravilhosa”, pensou.

Santos, 10 de outubro de 2015

Paulo Miorim

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 10/10/2015
Código do texto: T5410812
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