Às Vezes Quase Suicídio.

Enfiaria uma faca no peito agora. Sem remorso. Sentir a lâmina perfurando a carne e atingir o coração. Cogitar já é o suficiente para imaginar a dor: aguda, com certeza.

Embalo em uma inexplicável pressão interna, sem motivo aparente, já que na última vistoria que fiz há, mais ou menos, dois minutos, ao tirar a camisa, conclui que em meu corpo não se encontram feridas expostas. De onde vem esse incomodo? Esse pesar que me arremete todos-os-malditos-dias? As manhãs de sol não ajudam. As felicidades são passageiras, ínfimas, finitas, efêmeras, quase-não-existentes; e existem? A chuva copiosa em sua beleza fúnebre não é bastante para suavizar a dor motriz que avança e piora gradativamente. As risadas não bastam. Os esforços são demasiados.

O que me impediria, afinal? Não há vozes dentro da minha cabeça reprovando meus pensamentos, minhas ações. Não há um diabinho, ou um anjinho. Não há balbuceios em minhas intenções. “Por que não?”. “Apenas faça”. “A dor é momentânea, logo passa”.

O egoísmo é tamanho que sequer lembro de quem fica. Quem vai limpar o sangue quando meu corpo inerte encontrar o chão? Quem vai me encontrar enquanto meus lábios beijam o piso ensanguentado? Quem vai chorar a morte de um patético garoto acometido pelo suicídio?

Inerente a condição humana, acredito, esboçarmos empatia por quaisquer identificações em que relacionamos o outro a nós. De imediato, paro. Como proceder? Mesmo sem perder coisa alguma, além, claro, dos anos vindouros, ataca-me certa hesitação. Por isso não se pode pensar demais. “Apenas faça”.

Sou compelido a respirar mais devagar, a dor-sem-explicação-e-que-dói-muito apodera-se de meu peito. Ainda assim, nada faço, se não permanecer estático sobre a cadeira. Silêncio. As vozes se foram. Suponho que para bem distante, emaranhadas no âmago, bem escondidas mesmo, no intuito de, futuramente, emergirem sorrateiras, para fazerem doer ainda mais.

“Eu só queria que a dor parasse”. A dor. A auto reprovação. A falta de coragem. A auto crítica. A falta de palavras. A falta de atitude. A inconsistência. As decepções. As alucinações. A inabilidade que gera tantas frustrações. As frustrações.

Cabe a mim, enfim, dar cabo de todas as bifurcações repletas de armadilhas que a vida é dia-pós-dia? Indago-me, em vão. Sem resposta. Sempre sem resposta.

Agora já estou de blusa. O ar-condicionado começou a gelar. A cadeira rodopia sem esforço e, ocasionalmente, estou de frente para o computador. Lá fora chove. Minha gata acaba de abrir a porta entreaberta com suas patinhas. Ela vem até meus pés, pula para meu colo, se aconchega e deita. Ronrona como quem quer se acalmar. A dor já é quase diminuta. Quase. Às vezes me ocasiona que a vida não é tão ruim quanto eu penso que é. Isso alivia. Às vezes tudo parece muito bem. Às vezes. Quase. Minha vida tão bem resumida em duas, três palavras.

Durante a madruga, quando acordo para virar de lado e voltar a dormir, uma sensação deturpada me abate. Não consigo distinguir muito bem a veracidade do que se passa em minha mente, apesar da verossimilhança absurda que me acomete. É uma sensação de vazio perante os anos que estão por vir. Vejo-me mais velho. Mais moço. Mais adulto. Mais senhor. Por que de repente tudo apenas não faz sentido algum? Sempre que passo por algo semelhante é como se o chão sob meus pés fosse retirado e eu caísse em um abismo escuro e eterno. Não importa estar de olhos abertos ou fechados. Tudo diante de mim é apenas uma coisa: Escuro, vazio, sem sentido.

Com as palmas das mãos, cubro os olhos. Os forço. Logo estou em um relaxante exercício em que consiste no massagear das têmporas. Abro os olhos. Enxergo a tela do pc. Fico parado quase dois minutos. Por instinto, minhas mãos vão ora no mouse, ora no teclado, ora em ambos. Distraio-me no ofício chamado ócio. Deito-me na procrastinação. Delicio-me de preguiça. Morro de tédio.

Às vezes quase vejo sentido na vida.

Às vezes. Quase.

Por mais pouco não faço besteira.

Será mesmo besteira?

Quase às vezes pode não ser o bastante.

Quase. Ainda assim. Quase. Às vezes.

Às vezes, um dia, vai.

Às vezes quase quero morrer.

Quase, às vezes, tento me matar.

Às vezes a depressão toma conta de mim.

Quase que hoje foi meu fim.

Não é frescura, juro.

Não vire o rosto quando me escrevo pra você.

Não se negue empatia. Não se negue ajudar.

Não se negue o amor. Não se amar.

Nem as coisas boas que a vida pode lhe dar.

Quase, às vezes, infortunadamente, pode ser o bastante.

A H
Enviado por A H em 30/09/2015
Reeditado em 03/10/2015
Código do texto: T5400004
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