O escritor e o papel

Aqui, deitado, na escuridão, olho para a folha em branco e nela encontro alguma luz. Uma companhia, quase diária, de alguém que mesmo não querendo, lentamente, se acostuma a ser só. Essa ilha branca, nos exige a solidão dos náufragos, que escrevem as páginas de sua sobrevivência. Ainda que não abracemos um papel, somos abraçados por ele.

Um pedaço pequeno e branco de sonhos, que mesmo com a limitação de linhas, dispostas como a grade de uma cela, é infinito e nos liberta da prisão do mundo, cujas correntes são invisíveis.

Nossa terapia e divã. Aqui nunca há silêncio e nem julgamento, desculpas ou arrependimento. Embora, neste espaço grafamos nossos gritos e denúncias, nossas loucuras e fantasias incendiárias, nosso pudor e a nudez da verdade, nossos medos e fantasmas, nosso riso e pranto, nossa razão e inconsciência....É o lençol de nossa alma e o portal da eternidade. Não precisamos dormir para partir, basta escrever. A vida aqui também não tem morte, aliás, se morre mais na vida. Quem escreve está além dos limites, como o Deus Hermes e seus pés alados (também temos uma pena nas mãos), trafegando entre mundos, submundos e Olimpos. Nossa relação escrita é como um transe e um êxtase mediúnico. Não escolhemos as palavras, elas nos escolhem.

Neste universo, que cabe em um verso, não há credo, gênero ou formatação. E assim como o papel se doa para ser escrito, nos doamos para escrever. E só sabemos que chegou ao fim, quando nos assemelhamos ao vazio daquela folha em branco que iniciamos. A lacuna que aguarda o recomeço.

Fernando Paz
Enviado por Fernando Paz em 24/09/2015
Código do texto: T5392636
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