A CIDADE NATAL
Só falo o que me é perguntado, mesmo que disfarçadamente, com sinais combinados de comunicação. Só falo o que me é perguntado, pois bem, eis que me encontro de novo, no mesmo beco periférico atrás de diversão, na mesma cidade louca, com trombetas saudando os visitantes de fé, possuidora de um único hospital recheado de insatisfações. Aquela mesma velha amarga e manca, os mesmos pelos pubianos crescidos de Zoraia, a mesma taxa Selic, os mesmos problemas de esgoto, as mesmas mansões sendo construídas para dar contraste ao meu retrato. Eis que retorno ao império dos santos, a terra dos comerciantes, ao lugar do abandono coagido, dos pescadores ouvidos por Deus, dos andarilhos ricos, dos suicídios coletivos, do bullying livre, da mídia calada, do poder do clero, das almas turvas, das temperaturas fortes, das meninas bárbaras, dos homens possuidores de riqueza, dos carros zeros, das laranjas podres, dos sinos marcantes, dos acidentes mortíferos, dos dramas políticos, do amor ao homem errado, da Copa do Mundo de 2010, da avenida multifacetada, dos blocos de carnaval, dos travestis que não se prostituem, das freiras putas, dos lobos vivos, das corujas premonitórias, dos jovens envenenados, dos teatros bentos, dos tecidos caros e do amor oculto. Eis que retorno a minha cidade natal, vou pra lugares que frequentava e me perco no tempo enquanto crio mapas mentais de objetivos premeditados para uma ascensão sentimental, com o intuito de voltar a frequentar o clube dos amantes.