SEM TÍTULO

Eu sou aquilo que faço menos aquilo que deixei de fazer e aquilo que ainda não fiz. Tudo isso misturado num intenso processo de assimilação do novo e rememoração do velho, para a compreensão de um devir.

Trago à superfície do discurso os resíduos daquilo que experienciei até aqui e fragmento-os, ainda mais, com as palavras de sentidos outros que acabam de serem deslocadas para a finalidade deste processo incessante e intermitente de tentar narrar o eu, aqui e agora.

Fugidio, dispersivo por natureza, controverso por costume, as linhas frasais da existência que invento serpenteiam por curvas melódicas de altos e baixos apelos sensitivos, que duelam sem parar com outros anseios culturais a que me filio.

Autoficção? Autobiografia? Ficção automatizada sobre o processo de existir? Escrita biográfica fugitiva das contaminações do imaginário? Realmente não sei. Sei que isso é apenas o que é, sem muito querer ser, apenas sendo e exercendo de modo tímido a agônica luta pela vida plena, que sussurra verborragias sem sentido para afirmar-se no grau zero do tempo: o agora. Esse ir-se já indo embora que me impele a ser isto o que se diz e o que se contradiz com aquilo que esperam que eu o seja.

Não há mais o que dizer, nem nunca houve o que dizer, pois isto é apenas mais uma tentativa desesperadoramente insana de dizer o nada, o que não há, o que é o tempo todo e não conseguimos captar com nenhuma lente, com nenhuma gota de tinta, com nenhum aperto na tecla.

O que são pontos, vírgulas, ponto e vírgulas, dois pontos, exclamações, frente às possibilidades infinitesimais de reticências forjadas com a falsidade da pena? Nada. Nunca será nada. Somos feitos de nada. Essa contradição possível pela linguagem que forçosamente acaba sendo expurgada pelo pecado de existir e paga os seus pecados vestindo uma roupa, ao mesmo tempo frouxa e folgada, para o tamanho do corpo. Não há ajustes. Apenas a violenta apropriação indébita de sentidos construídos no agora.

Verdades que se dizem mentirosas, antes mesmo de virem à tona, jorram como o fluxo germinal da vida. Qual é a que vale? Pode-se confiar no assumidamente inconfiável? É preciso confiar?

Seguir. Caminhar. Dispersar. Ocupar vácuos temporais de existência nos espaços múltiplos do entendimento. Concretizar a promessa original de ser a partir do traçado mal rabiscado que o passado deixa a cada filete de tempo que vem.

Não há o é.

Só sempre haverá o como.