Letargia.

Estou mergulhada num oceano sem som, porque tive que te esquecer.

Não por uma escolha minha, mas por necessidade. Se eu pudesse escolher, assim como te escolhi durante aqueles longos anos, no meio de tanta gente igual e chata. Lembra? Eu te escolhi e você me aceitou nessa minha loucura generalizada. Ah, se eu pudesse escolher, mas eu não pude, assim como não podemos escolher "não morrer". Então, assim, distante de toda vontade, mergulhei teu rosto em esquecimento. Apaguei aos poucos toda a memória que em meu peito se abrigava. E fui esquecendo, gradativamente, como uma chuva que começa branda até se converter em tempestade. E todos os sons foram abafados. Essas batidas incessantes e desregulares que trago no peito, já não escuto mais. Dormiram num sono necessário, quase poético, que é para dar beleza à dor. Melancolia, sabe? Eu sempre fui edificada nessa ideia de inspiração, como se esse prazer na dor fosse minha tinta particular, que me faz escrever meus melhores textos.

Que essa cicatriz doa, enfim, para que eu doe um pouco do que sou nessas linhas tortas e estranhas.

Então, olha só, pode deixar que essa ferida fecha com o tempo.Deixa essa dor arder, como um machucado constante que, de tanto ferir, anestesia. E quando a dor voltar, fique tranquilo, não é por seu coração estar se quebrando, mas se reconstruindo. Essas costuras, incessantes reconstruções internas, também doem. E quando ficar impossível, lembre-se de que algumas dores são recomeço, e não fim.

Ana Luisa Ricardo
Enviado por Ana Luisa Ricardo em 23/07/2015
Reeditado em 21/08/2015
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