Ela

Ela chegou sem muito alarde. Como um sopro na madrugada. Sentou-se e com calma traduziu palavras não ditas. Com olhar manso me despiu a alma confortavelmente. Fiquei nua. Paredes ao meu redor apertaram-me o vazio ao qual voavam e pousavam em suas mãos. Um a um transformando-se em cinzas que escorriam entre seus dedos. Não havia mais o que esconder. Meu olhar de temor foi dando lugar ao desejo de me expor. De me colocar aos seus cuidados. O medo dizia-me para ser prudente. Que corações são postos na gente apenas para serem quebrados a cada nova experiência de entrega. Parei. Na tentativa frustrada de encontrar nela um único motivo para ir embora. Novamente usei a frase - Te amo. Eram como se correntes caíssem apodrecidas ao meu lado. A liberdade foi tomando conta da minha vida. Entrando em meus poros fazendo-se novamente dona das minhas vontades. Sorri. Porque mudanças não exigem da gente grandes atitudes. Exigem pequenos novos gestos que por algum motivo caíram no esquecimento mórbido de quem decide enterrar-se ainda vivo. O sorriso foi minha primeira grande atitude. Em seguida, o silêncio deu lugar a Tom Jobim, Marisa Monte e Brahms. Percebi que estava radiante. Ela devolveu-me o sorriso, a música e a felicidade. Senti um aperto gostoso dentro do peito. Como se uma mão bem grande tornasse mais estreito o espaço do meu coração. Meu olhar direcionou-se a ela como quem tem pressa. Meus pensamentos que voavam sem direção agora voam recostando em seu ombro. Porque o amor nasce do preenchimento de pequenos e grandes vazios da alma. Da necessidade de ter alguém que nos faça bem de tal modo que cada dia valha a pena ser vivido.

Obrigada por me aceitar exatamente assim.

Ana Liszt
Enviado por Ana Liszt em 19/07/2015
Reeditado em 19/07/2015
Código do texto: T5316404
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